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quarta-feira, 28 de setembro de 2016

Desafios para a evangelização na Amazônia

No período de 15 a 18 de junho de 2015 aconteceu a Consulta Nacional Povos Minoritários do Brasil. O encontro que reuniu líderes de diversas agências missionárias de várias partes do país tinha como objetivo refletir sobre a realidade da evangelização e propor ações necessárias para o alcance dos povos minoritários do Brasil.
A Consulta concentrou-se em cinco segmentos socioculturais menos evangelizados no Brasil, seu contexto e desafio. São eles: Indígenas, Quilombolas, Ciganos, Sertanejos e Ribeirinhos. Ronaldo Lidório apresentou o panorama geral dos segmentos menos evangelizados, destacando a necessidade de maior pesquisa para dimensionar o desafio e direcionar os esforços missionários.
A respeito do segmento Ribeirinho, o relatório elaborado na Consulta diz que um grupo constituído por 35 mil comunidades na Amazônia, do qual se estima que 10 mil comunidades ainda não foram alcançadas pelo Evangelho. Vinte e seis milhões de pessoas habitam a Amazônia Legal sendo que cerca de 1 milhão tem pouco ou nenhum contato com o Evangelho. Há mais de 40 iniciativas evangelizadoras na Amazônia Legal e a maioria das comunidades tradicionais num raio de 100 Km das principais cidades já foram alcançadas.
Necessidades de desafios
Dentre as necessidades apontadas no relatório para o avanço do evangelho entre os ribeirinhos estão a conscientização da igreja brasileira, missionários bem treinados, com capacidade de leitura cultural adequada, formação de líderes locais e material pedagógico adequado.
Um grande desafio continua sendo o isolamento histórico e geográfico de milhares de famílias e comunidades, o que exige uma logística complexa para o acesso. O relatório citou ainda outros desafios para a evangelização: pecados culturais arraigados – promiscuidade; iniciação sexual precoce; abuso sexual familiar; conformismo da comunidade; convivência pacífica de lideranças evangélicas com pecados da cultura local; prejuízos resultantes de más experiências evangélicas anteriores e a sustentabilidade econômica.
O que fazer e o que evitar
O relatório orienta que os interessados em se envolver com a evangelização entre os ribeirinhos devem evitar atitudes como de “turistas”; ter cuidado ao firmar alianças com líderes nativos antes de conhecê-los profundamente; não aparentar atitude de superioridade; e fugir do assistencialismo.
Dentre os itens citados como melhores práticas, estão: oferecer preparo para nativos plantadores de igrejas, em localidades mais próximas de seu ambiente; recrutamento considerando chamado e caráter; preparo missionário específico voltado para a realidade ribeirinha; estudo antropológico e histórico da comunidade; recrutamento de professores e agentes de saúde na sede do município para as vilas não alcançadas; adoção de postura de respeito à liderança no processo de evangelização da comunidade; equipes de curto prazo bem preparadas, com alvos definidos e acompanhadas por liderança da igreja.
Para falar mais sobre os desafios da evangelização da Amazônia, o Paralelo10 entrevistou três pastores que atuam na região. Confira na entrevista abaixo:

Paralelo 10 – Qual a maior barreira para a evangelização da população que vive na Amazônia?
Moacy – Existem inúmeras barreiras que posso citar (custo de locomoção altíssimo, comunidades hostis ao evangelho por conta da dependência financeira e da posse da terra pela igreja romana, difícil acesso em muitas comunidades por conta da seca dos rios, dificuldades de comunicação com comunidades indígenas), porém, cito a falta de obreiros que topem enfrentar a realidade amazonense, principalmente a ribeirinha, a maior barreira para a evangelização.
Gilson – Diria que seriam a localização geográfica e as crenças religiosas. No nosso campo de atuação, entre indígenas, além da localização a língua materna de cada povo também é um grande desafio.
William – Acredito que existem duas barreiras significativas para a evangelização na Amazônia. A primeira é a falta de uma instrução e treinamento dos líderes das igrejas ribeirinhas já estabelecidas para a obra missionária. A segunda é a dificuldade de transporte para os locais mais carentes de ação missionaria, tanto naval quanto aéreo. Nenhuma dessas opções é barata.
P10 – Quais aspectos da geografia da região amazônica dificultam e quais favorecem o trabalho de evangelização?
Moacy – Calor beirando ao insuportável na maior parte do ano; secas que encarecem e, muitas vezes, impossibilita o acesso a comunidades; caminhos de estrada de barro em péssimas qualidades para locomoção. Normalmente as cheias favorecem o trabalho missionário, quando se trata de terra seca (áreas que não alagam), porém, quando as comunidades estão situadas em áreas de várzea o trabalho fica prejudicado pelo êxodo sazonal dos moradores.
Gilson – Seja por água ou terra, sempre será um trabalho desafiador. Mesmo que sejam estradas, muitos grupos estão há muitos quilômetros de distância das cidades. Como são regiões longínquas, quem vem trabalhar aqui tem que planejar ficar mais tempo com o povo a ser alcançado. Há muitos recursos naturais: rios, animais, peixes, aves, insetos, plantas, frutas, etc, os quais podem ajudar no sustento diário do obreiro.
William – Ironicamente, um aspecto da geografia que favorece o trabalho da evangelização na Amazônia é o fato de que, através de embarcaçôes e aeronaves, existe como chegar praticamente em qualquer lugar na Janela Amazônica. Praticamente todo povo da Amazônia vive na beira dos rios da Amazônia, mas com uma boa instrução e treinamento de líderes das igrejas ribeirinhas/indígenas, é possível alcançar os que não moram nessas margens.
P10 – Como usar o potencial dos recursos humanos e naturais da região para plantar igrejas autossustentáveis?
Moacy – Cada região do Brasil tem suas peculiaridades, os obreiros locais se comunicam, exemplificam, entrosam-se, com muita facilidade, pois não há a necessidade de adaptação. Por já estarem acostumados com a forma de viver das comunidades não enfrentam o choque cultural. Outra coisa que precisa ser entendido é que a Amazônia é riquíssima em recursos naturais e se faz necessário adaptar a transmissão das Boas Novas de Cristo para poder aproveitar estes recursos. Um Evangelho importado dificulta o processo de discipulado por não haver condições de multiplicar uma forma que não se tem os recursos dos quais foi aprendido.
Gilson – Temos várias iniciativas. Entre elas estão o treinamento bíblico de nativos na própria língua materna e a produção de materiais na língua materna com a ajuda do próprio povo. Construir igrejas usando os recursos naturais existentes na região e participar de eventos culturais nas aldeias também são formas de valorizar o potencial da comunidade e se aproximar do povo.
William – A forma mais viável para a plantação de igrejas na Amazônia é treinando lideres locais para dirigir e pastorear essas igrejas. O ribeirinho já está acostumado a viver da terra pescando, caçando e plantando. Não precisa de uma renda ou contribuição mensal. Se plantarmos “igreja indígenas”, ou seja, igrejas que refletem a cultura em que ela é plantada, vamos estar usando ao máximo os recursos naturais e humanos de cada região.
P10 – De que maneiras as igrejas do Sul e Sudeste poderiam contribuir com a igreja nortista para a evangelização da região?
Moacy – Acredito que a primeira e mais importante é a oração, muitas vezes as forças parecem sumir e acreditamos que as orações são a energia que nos realimenta. Apoiar obreiros locais ajudaria bastante o trabalho, muitos de nossos obreiros se desdobram para poder manter seu lar e tocar o trabalho missionário. Peço a Deus para levantar igrejas que abracem pelo menos um obreiro autóctone, isto faria uma imensa diferença na vida de várias comunidades.
Gilson – Parcerias com profissionais voluntários nas áreas de saúde, construção civil, educação e agronomia. Outra forma seria na adoção de sustento parcial de obreiros autóctones.
William – Elas podem subsidiar viagens missionárias para diminuir os custos. Contribuir para o sustento de pastores itinerantes, que dedicam suas vidas para o apoio e instrução das igrejas ribeirinhas e indígenas. Contribuir para associações missionárias sérias, que tem uma infraestrutura considerável para manter. Enviar equipes para o desenvolvimento de projetos evangelísticos, médico e social na Amazônia.
P10 – Quais são as principais características que uma pessoa que se sente chamada para evangelizar na Amazônia deve apresentar?
Moacy – Amar a Deus, amar as pessoas e disposição para renunciar em prol do reino.
Gilson – Convicção do chamado. Fácil adaptação. Abertura ao aprendizado. Ter formação teológica, missiológica e linguística.
William – Precisa ser um(a) aprendiz, conhecer como o povo vive, seu dialeto, sua cultura; não podemos chegar à um local pensando que sabemos de tudo. Não pode ser uma pessoa de julgamento; sempre observando e reconhecendo as diferenças culturais, sem julgá-las como erradas ou tentar conformar a sociedade à forma que é na sua terra de origem. Uma pessoa criativa, que procura meios de como ser usado por Deus, como suprir necessidades. Precisa ser uma pessoa que está crescendo espiritualmente humildade é chave nisso. Reconhecer que ainda não conhecemos tudo e que dependemos de Deus para nos guiar. Uma pessoa compromissada, que está disposta a sacrificar o conforto de seu lar, entendendo que isso tudo faz parte de algo muito maior que nós. Uma pessoa flexível, que espera mudanças nos planos e busque honrar somente a Deus em todas as coisas. Uma pessoa que vê além de suas preferências e preocupações pessoais, que ame pessoas – alguém disse uma vez, “o contrário de amor não é ódio, é indiferença”. Alguém que compartilhe sua vida com os outros, faça amigos, lembre nomes, lembre de histórias. Enfim, uma pessoa que saiba amar.
P10 – O que os missionários e cristãos do Sudeste que vão para a Amazônia aprendem sobre a fé e evangelização?
Moacy – Sobre fé, acredito que a dependência em Deus é multiplicada nesta região. Muitos enfrentam rios, chuva, sol e fome por horas para poder chegar a uma comunidade na qual esteja atuando. Em relação a evangelização, acho que o que mais chama a atenção é a percepção da necessidade de uma evangelização integral, é praticamente impossível visitar um ribeirinho e não se sentir sensibilizado em querer lhe apoiar a crescer em todos os aspectos de sua vida.
Gilson – Aprendem que mesmo dentro do seu forte contexto religioso, social e cultural, as pessoas aqui têm uma fé vibrante e visível ante as dificuldades da vida diária. São receptivas, hospitaleiras e gostam de dividir o que possuem. Se um nortista oferecer algo, não pergunte quanto custa, receba e depois de algum tempo, presenteio-o também. Quanto à evangelização, melhor método é a amizade.
William – Se você permitir Deus falar com você, Ele vai te mostrar exatamente o que Ele quer de você. Você vai saber sua missão aqui na terra.
• Moacy Paulino da Silva, pastor na Primeira Igreja Batista de Parintins, coordenador Centro de Treinamento de Líderes Profª Eglantina Lessa (CTL). Atua no baixo Amazonas nos municípios de Parintins, Nhamundá, Barreirinha, e comunidades ribeirinhas e indígenas.
• Gilson Ricardo da Silva, secretário executivo da Missão Evangélica aos Índios do Brasil (MEIB). Atua nos estados do Pará e Maranhão há mais de 40 anos, entre as etnias Kayapó, Xikrin, Tembé e Anambé (Pará). Guajajara e Kanela (Maranhão) e agora com os Kayapó do norte do Mato Grosso.
• William Boyd Walker Junior, diretor executivo da Missão AMOR, uma organização cristã, sem fins lucrativos, envolvida com projetos de evangelização na região amazônica.

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