Introdução
Este é um Salmo de Davi (At 4:25-27), conhecido na Bíblia como Salmo segundo (At 13:32,33), o qual relembra tempos de provações, como por exemplo, 2 Sm 10, no qual os reis amonitas e siros se revoltaram contra o rei Davi.
Este Salmo descreve:
- A rejeição e a rebelião das nações para com Deus e Cristo Jesus (Sl 2:1-3).
- A soberania inabalável de Deus (Sl 2:4,5)
- O senhorio de Cristo estabelecido por Deus (Sl 2:6-9)
- A graça oferecida mesmo diante da ira merecida (Sl 2:10-12)
Através deste Salmo é possível visualizar o cenário no qual a Igreja cumpre a sua Missão. Este é o propósito desta reflexão.
Desenvolvimento
O cenário no qual a Igreja desenvolve sua Missão possui como componentes marcantes: a Oposição do mundo, a Soberania de Deus, o Senhorio de Cristo e a Graça de Deus, atuantes “ao mesmo tempo”.
A Oposição do Mundo
No Salmo 2:1-3 a oposição a Deus e a Cristo está bem descrita: “Por que se enfurecem os gentios e os povos imaginam coisas vãs? Os reis da terra se levantam, e os príncipes conspiram contra o Senhor e contra o seu Ungido, dizendo: Rompamos os seus laços e sacudamos de nós as suas algemas.”
O apóstolo João descreveu o convívio da Igreja com esta oposição nas seguintes palavras: “Sabemos que somos de Deus e que o mundo inteiro jaz no Maligno.” (1 Jo 5:19)
Somos de Deus porque somos nascidos d’Ele e não vivemos no pecado e, portanto, somos guardados por Cristo, a ponto do Maligno não ter poder sobre nós (1 Jo 5:18).
Portanto, vivemos num cenário que se opõe a Deus através do pecado disseminado sobre uma maioria que João definiu como “o mundo inteiro”.
Parece que somos uma minoria a favor de Deus contra uma maioria contrária a Ele, quando na verdade, a vitória neste cenário de oposição não está na quantidade de pessoas, mas na nossa fé: “porque todo o que é nascido de Deus vence o mundo; e esta é a vitória que vence o mundo: a nossa fé. Quem é o que vence o mundo, senão aquele que crê ser Jesus o Filho de Deus?” (1 Jo 5:4,5)
Por isso, tanto o conformismo acovardado como o triunfalismo exagerado não fazem parte da Missão da Igreja neste mundo de oposição, mas a fé perseverante em Cristo Jesus.
A Soberania de Deus
A soberania de Deus jamais será abalada, principalmente pelas oposições. O Salmo 2:4,5 mostra isso: “Ri-se aquele que habita nos céus; o Senhor zomba deles. Na sua ira, a seu tempo, lhes há de falar e no seu furor os confundirá.”
A soberania de Deus conduz os Seus propósitos, independente das oposições e rejeições. Isto fica claro quando Pedro no discurso no dia de Pentecostes afirmou: “Varões israelitas, atendei a estas palavras: Jesus, o Nazareno, varão aprovado por Deus diante de vós com milagres, prodígios e sinais, os quais o próprio Deus realizou por intermédio dele entre vós, como vós mesmos sabeis; sendo este entregue pelo determinado desígnio (PROPÓSITO) e presciência (PRÉ-CONHECIMENTO) de Deus, vós o matastes, crucificando-o por mãos de iníquos; ao qual, Deus ressuscitou, rompendo os grilhões da morte; porquanto não era possível que fosse ele retido por ela.” (At 2:22-24)
Jesus não morreu na cruz porque os judeus e os romanos simplesmente quiseram que fosse assim. Ainda que tenham acusado e pedido a sua morte por crucificação, o que estava em andamento era a soberania de Deus no Propósito de Cristo morrer pelos pecados, de acordo com o Conhecimento Prévio de Deus acerca do Cordeiro que foi morto antes da fundação do mundo (1 Pe 1:19-21).
A questão toda está em como a Igreja, no exercício da sua vocação missionária, entende e aceita a soberania de Deus. Neste aspecto, merecem destaque:
- A ânsia por resultados imediatos, os quais não virão na “velocidade” desejada pela igreja, uma vez que a obra missionária não está desvinculada da longanimidade de Deus. Sobre esta longanimidade, o apóstolo Pedro escreveu: “Não retarda o Senhor a sua promessa, como alguns a julgam demorada; pelo contrário, ele é longânimo para convosco não querendo que nenhum pereça, senão que todos cheguem ao arrependimento.” (2 Pe 3:9). Os resultados dos esforços missionários são dependentes diretos da soberania de Deus no exercício da sua longanimidade com os pecadores.
- A questão do sofrimento, admitido como sinal de derrota, falta de autoridade espiritual, missionário sem vida de oração e poder, dentre tantas outras alegações, são no mínimo bizarras por parte de grande parcela das igrejas cristãs. O sofrimento faz parte da Igreja em missão. O apóstolo Pedro definiu o sofrimento como forma de aperfeiçoamento da fé: “Sede sóbrios e vigilantes. O diabo vosso adversário, anda em derredor, como leão que ruge procurando alguém para devorar; resisti-lhe firmes na fé, certos de que sofrimentos iguais aos vossos estão se cumprindo na vossa irmandade espalhada pelo mundo. Ora, o Deus de toda a graça, que em Cristo vos chamou à sua eterna glória, pouco depois de terdes sofrido por um pouco, ele mesmo vos há de aperfeiçoar, firmar, fortificar e fundamentar.” (1 Pe 5:8-10). Deus é soberano mesmo em meio ao sofrimento, o qual existe sob a sua permissão, fazendo parte da caminhada da Igreja em Missão.
O Senhorio de Cristo
O Senhorio de Cristo independe das pessoas ou de qualquer forma de poder terreno. O Salmo 2:6-9 declara o Senhorio de Cristo estabelecido por Deus: “Eu, porém, constituí o meu Rei sobre o meu santo monte Sião. Proclamarei o decreto do Senhor: Ele me disse: Tu és meu Filho, eu, hoje te gerei. Pede-me, e eu te darei as nações por herança e as extremidades da terra por tua possessão. Com vara de ferro as regerá e as despedaçarás como um vaso de oleiro.”
Há um diálogo entre o Pai e o Filho no estabelecimento do Senhorio de Cristo Jesus, o qual foi associado pelos apóstolos à ressurreição de Jesus: “Nós vos anunciamos o evangelho da promessa feita a nossos pais, como Deus a cumpriu plenamente a nós, seus filhos, ressuscitando a Jesus, como também está escrito no Salmo segundo: Tu és meu Filho, eu, hoje, te gerei.” (At 13:32,33)
Esta expressão “Tu és meu Filho, eu, hoje, te gerei.”, é de complexa interpretação, uma vez que Jesus sendo Deus jamais poderia ser gerado. Por isso, duas possibilidades podem ser levantadas:
- O nascimento virginal de Cristo por obra do Espírito Santo.
- A ressurreição de Cristo vencendo a morte.
Considerando que o texto do Salmo 2:6-9 descreve um Rei empossado (“Eu, porém, constituí o meu Rei sobre o meu santo monte Sião.”), a possibilidade mais adequada é a ressurreição de Cristo, vencedor sobre o pecado e a morte, como o apóstolo Paulo escreveu:
“Onde está, ó morte, a tua vitória? Onde está, ó morte, o teu aguilhão? O aguilhão da morte é o pecado, e a força do pecado é a lei. Graças a Deus, que nos dá a vitória por intermédio de nosso Senhor Jesus Cristo.” (1 Co 15:55-57)
“a si mesmo se humilhou, tornando-se obediente até a morte e morte de cruz. Pelo que também Deus o exaltou sobremaneira (RESSURREIÇÃO) e lhe deu o nome que está acima de todo nome, para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho, nos céus, na terra e debaixo da terra, e toda língua confesse que Jesus Cristo é Senhor, para a glória de Deus Pai.” (Fp 2:8-11)
Portanto, a Igreja em Missão não pode encarar o Senhorio de Cristo como uma ferramenta para conquista de bens materiais e terrenos, mas como a única autoridade capaz de libertar todos os que estão escravizados pelo poder das trevas. Por isso, o apóstolo Paulo escreveu: “Mas, se o nosso evangelho ainda está encoberto, é para os que se perdem que está encoberto, nos quais o deus deste século cegou o entendimento dos incrédulos, para que lhes não resplandeça a luz do evangelho da glória de Cristo, o qual é a imagem de Deus. Porque não nos pregamos a nós mesmos, mas a Cristo Jesus como Senhor e a nós mesmos como vossos servos, por amor de Jesus. Porque Deus, que disse: Das trevas resplandecerá a luz, ele mesmo resplandeceu em nosso coração, para iluminação do conhecimento da glória de Deus, na face de Cristo.” (2 Co 4:3-6)
A extensão da obra missionária do Filho através da Igreja (“nações por herança e as extremidades da terra por tua possessão”, Sl 2:8) revela a necessidade do Senhorio Absoluto de Cristo sobre todo poder que escravize estas nações. Quando Jesus, depois de ressurreto dentre os mortos, comissionou a Igreja, disse:
”Toda a autoridade me foi dada no céu e na terra.” (Mt 28:18)
“E eis que estarei convosco todos os dias até a consumação do século.” (Mt 28:20)
Estas palavras indicam que o Senhorio de Cristo está sobre a Igreja para que ela cumpra a sua missão em Seu Nome em todas as nações.
A Graça de Deus
Incrível que num cenário de oposição declarada a Deus e ao seu Ungido, Cristo Jesus, conforme descrito no Salmo 2:1-3, haja lugar para a manifestação da graça de Deus. A parte final do Salmo 2:10-12 demonstra esta bendita graça para com os opositores e rebeldes: “Agora, pois, ó reis, sede prudentes; deixai-vos advertir, juízes da terra. Servi ao Senhor com temor e alegrai-vos nele com tremor. Beijai o Filho para que não se irrite, e não pereçais no caminho; porque dentro em pouco se lhe inflamará a ira. Bem aventurados todos os que nele se refugiam.”
Na Carta do apóstolo Paulo a Tito encontram-se registradas as seguintes palavras acerca da graça de Deus: “Porquanto a graça de Deus se manifestou salvadora a todos os homens, educando-nos para que, renegadas a impiedade e as paixões mundanas, vivamos no presente século, sensata, justa e piedosamente, aguardando a bendita esperança e a manifestação da glória do nosso grande Deus e Salvador Cristo Jesus, o qual a si mesmo se deu por nós, a fim de remir-nos de toda iniquidade e purificar para si mesmo, um povo exclusivamente seu, zeloso de boas obras.” (Tt 2:11-14)
A Igreja em Missão precisa entender que:
- A graça Deus não é exclusiva de um povo ou grupo, mas “se manifestou salvadora a todos os homens”(ver também Sl 2:10);
- A graça de Deus se manifestou a pecadores escravos da “impiedade e as paixões mundanas”; (ver também Sl 2:11)
- A graça de Deus é fruto do amor de Cristo, “o qual a si mesmo se deu por nós, a fim de remir-nos de toda iniquidade e purificar para si mesmo” (ver também Sl 2:12, “Beijai o Filho”, saudação real)
- A graça de Deus é a única oportunidade de transformação dos pecadores perdidos em “um povo exclusivamente seu, zeloso de boas obras.” (ver também Sl 2:12, “Bem aventurados todos os que nele se refugiam”)
A graça de Deus se manifesta através da Igreja em Missão, porém há que se advertir quanto aos:
- Modismos missionários, os quais fazem parecer que só determinado povo precisa ser alcançado, como por exemplo, os povos africanos, a China. A ordem de Jesus é ir “até aos confins da terra” (At 1:8).
- Preconceitos nacionalistas, gerados por fontes duvidosas (imperialismo ocidental), os quais isolam determinados povos como se Deus não os quisesse alcançar, como por exemplo, a política americana antiterrorista que levou ao mundo a imagem de que todo muçulmano é um terrorista inimigo da democracia.
A graça de Deus é para todos os povos, independente do que os homens pensem e façam, pois Deus “amou o mundo de tal maneira que deu o Seu Filho unigênito, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna.” (Jo 3:16)
A Igreja em Missão tem que ser sensível à direção do Espírito Santo e ir onde Ele quiser manifestar a sua graça salvadora.
Conclusão
Terminamos esta reflexão no Salmo 2, depois de enfocar o cenário onde ocorre a Missão de Deus através da Igreja, destacando que o mesmo é formado pela Oposição do mundo, pela soberania de Deus, pelo Senhorio de Cristo e pela manifestação da Graça de Deus.
Vimos que diante neste cenário:
- Nem o conformismo acovardado, nem o triunfalismo exagerado fazem parte da Missão da Igreja neste mundo de oposição, mas sim a fé perseverante em Cristo Jesus.
- Os resultados dos esforços missionários são dependentes diretos da soberania de Deus no exercício da sua longanimidade com os pecadores.
- Deus é soberano mesmo em meio ao sofrimento, o qual existe sob a sua permissão, fazendo parte da caminhada da Igreja em Missão.
- O Senhorio de Cristo não é uma ferramenta para conquista de bens materiais e terrenos, mas como a única autoridade capaz de libertar todos os que estão escravizados pelo poder das trevas.
- A graça de Deus é para todos os povos, independente do que os homens pensem e façam, por isso, a Igreja em Missão tem que ser sensível à direção do Espírito Santo e ir onde Ele quiser manifestar a sua graça salvadora.
Como o Pai deu ao Filho as nações e as extremidades da terra (Sl 2:8), cabe à sua Igreja ser um canal para proclamar a bem aventurança oferecida a todos os povos que se refugiarem em Cristo.
Wellison Barbosa dos Santos