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Diante do drama da doença crônica da filha, a missionária Débora Kornfield encontra perspectivas espirituais para o sofrimento.
Costuma-se dizer que quem sofre adquire mais sensibilidade para perceber o sofrimento dos outros. Quando a relação envolve mãe e filha, então, a situação é muito mais delicada. Há 24 anos, a missionária Débora Kornfield, nascida nos Estados Unidos, criada na Guatemala e radicada no Brasil – mais precisamente, em São Paulo –, vive um drama familiar: a doença crônica de sua filha Karis. Ela nasceu com uma grave deficiência intestinal que paralisa seu trato digestivo. Desde seus primeiros dias de vida, ela tem convivido com um calvário de longas internações, delicadas cirurgias e desgastantes tratamentos. “É uma dor que não tem fim”, resume Débora.
A dura realidade tem afetado não apenas Karis e Débora, como também seus três outros filhos e o marido, e também missionário, David Kornfield. A vida da família tem girado em torno de um misto de provações e fé – muita fé, diga-se de passagem. Obreiros ligados à Sepal – Servindo Pastores e Líderes, entidade de origem americana sediada na capital paulista, David e Débora estão no Brasil desde 1990. Eles desenvolvem um frutífero ministério junto à liderança evangélica, o Mapi (Ministério de Apoio a Pastores e Líderes), baseado na mentoria espiritual. Débora, autora do livro Vítima, sobrevivente, vencedor (Editora Sepal), dedica-se ao ministério de restauração e especializou-se no aconselhamento a pessoas vitimadas pelo abuso sexual.
Agora, a missionária, de 54 anos, prepara-se para lançar um novo livro, onde conta os paradoxos entre a confiança na graça de Deus e a própria atitude diante de uma enfermidade que, apesar de algumas melhoras pontuais, não cede. “Reconheço que já nos sentimos injustiçados por Deus”, admite Débora. Em Karis – Adorando a Deus no deserto, que chega às livrarias em março pela Editora Mundo Cristão, ela faz um relato detalhado de como tem enfrentado a doença de Karis, os questionamentos acerca do amor de Deus, as dificuldades em família e o espectro sempre presente da morte. “O Senhor tem me desafiado a cada dia a lhe dar glórias, a perseverar e a crescer na minha fé”, diz. É uma luta que recomeça a cada amanhecer.
CRISTIANISMO HOJE – Como está sua filha hoje?
DÉBORA KORNFIELD – Ela está vivendo um dia de cada vez. Em novembro passado, ela passou por uma situação grave de rejeição e infecção [N.da Redação: na semana em que a entrevista foi concedida, Karis estava internada nos Estados Unidos, com obstrução intestinal e outras complicações]. Nestes últimos meses, ela passou por duas cirurgias de grande porte. Na verdade, ela não esteve bem durante o ano de 2008.
O livro é um desabafo?
O Salmo 145 nos manda contar os atos poderosos do Senhor. Senti que deveria escrever o livro por três motivos. Primeiro, para não me esquecer do que Deus tem feito por mim. Segundo, para encorajar outras pessoas em meio às suas dificuldades; e, em terceiro lugar, para que eu mesma pudesse entender melhor a nossa peregrinação – e, através disso, talvez ajudar a nossa família. Quando começamos a contar a história no site da Karis, recebi tantos e-mails de pessoas que de fato foram tocadas e encorajadas por Deus através do que lhe aconteceu que percebi que o Senhor queria usar isso para fortalecer o seu povo. Ora, a linguagem do sofrimento é comum a todos, independente do tipo de provação que cada um enfrenta.
A senhora diz várias vezes que sua própria filha pediu que não orassem mais por sua cura, entendendo que, como Paulo, deveria aprender a conviver com o “espinho na carne”. Como saber a maneira mais certa de orar nestas circunstâncias?
Creio que precisamos pedir a orientação de Deus em cada caso, pois o Senhor tem propósitos específicos em tudo que faz na vida de cada indivíduo. Não creio que a situação da Karis é modelo para outros, exceto na necessidade de procurar entender de Deus como devemos orar. Certamente, muitas pessoas continuaram (e continuam) a pedir cura para Karis, e estou muito agradecida por isso. Deus pode, a qualquer momento, responder dramaticamente a essas orações, como tem respondido tantas e tantas vezes de maneiras menos espetaculares, mas igualmente importantes para preservar a vida dela.
Se é assim, por que Deus não a cura definitivamente? Não seria um sinal muito mais poderoso do seu poder?
Penso que, se Deus curasse a Karis de vez, as pessoas dariam muitas glórias ao seu nome por alguns dias ou semanas; mas, depois, esqueceriam. Já por mais de 25 anos, Deus tem me desafiado a cada dia a lhe dar glórias, a perseverar, a crescer na minha fé, apesar dos momentos muito difíceis que temos passado. Pelas mensagens que recebo, acredito que outras pessoas têm a mesma percepção em relação à situação de minha filha.
Em algum momento, a senhora, sua filha ou sua família sentiram-se injustiçados por Deus? Como administraram este sentimento?
Claro que sim! Aliás, para descrever a luta de cada um de nós levaria muito tempo. Jamais, porém, ouvi a Karis expressar este sentimento. O que ela acha injusto é ser alvo de tantos recursos médicos e financeiros, dado o número de crianças totalmente saudáveis que morrem por fome ou por doenças fáceis de prevenir, especialmente em regiões pobres como a África. Quantas vezes ela tem chorado porque multidões não têm acesso às verbas gastas em favor dela. Como mãe, é claro, eu sofro junto com a Karis – muitas vezes, até pedi a Deus uma troca de lugares, passando para mim o sofrimento dela... Acho que qualquer mãe sentiria a mesma coisa. Confesso que, no início da vida de Karis, foi difícil para nós entender ou aceitar a situação dela, pois nunca havíamos nos imaginado passando por isso. Então, tentei escrever no livro um pouco sobre as minhas lutas – não tanto por me sentir injustiçada, mas por não entender o porquê de minha filhinha ter de sofrer tanto.
Mas um texto muito citado da Bíblia, no capítulo 53 do livro de Isaías, diz que Cristo tomou sobre si todas as nossas enfermidades. Como explicar, então, que a maioria dos crentes não recebe a cura divina? Falta-lhes fé?
Minha interpretação dessa passagem é um pouco diferente da de muitas pessoas. Jesus, por haver sofrido e passado o que passou, entende a minha dor, sente o que sinto, chora junto e me dá forças a cada dia. Por causa de textos no Novo Testamento, não creio que o de Isaías 53 significa que Cristo nos livra de todo sofrimento e enfermidade. Paulo diz que completamos em nossos corpos o sofrimento de Cristo. Os textos de Hebreus 2.14-18 e 4.14-16 destacam que podemos nos aproximar de Jesus confiantes de que ele sabe o que é sofrer, e se compadece de nosso sofrimento. Mas será apenas no novo Céu que Deus acabará com toda doença, morte, tristeza, choro e dor, conforme Apocalipse 21.4. Enquanto vivemos neste mundo caído, tais aspectos tristes da vida serão partes de nossa experiência.
Qual é o estado de ânimo de sua filha diante da doença?
É difícil começar a recuperar-se, por exemplo, de uma cirurgia, e logo enfrentar outro desafio, e mais outro, e mais outro, como ondas do mar que mal a permitem respirar. Essa tem sido sua rotina ao longo da vida. É claro que um processo desses impacta a vida emocional; não há como evitar isso. Um efeito colateral dos remédios que ela toma é a depressão. Até que a gente entendesse isso e a necessidade de tratamento específico – o que perdurará provavelmente pelo resto de sua vida –, sofremos muito. Por sua própria natureza, a Karis tem uma personalidade alegre, extrovertida, otimista. Por isso, esta depressão profunda causada pelos remédios foi talvez a mais difícil experiência de sua vida, pois ela sentiu que havia perdido até sua conexão com Deus. Mas nos últimos meses, desde que conseguiu sair do quadro depressivo, ela tem aguentado melhor. Acontece que minha filha tem sofrido uma série de perdas recentemente, inclusive a possibilidade de gerar filhos. E essas perdas precisam ser choradas, embora nem sempre achemos condições para este luto. No fim do ano passado, quando a possibilidade de morrer mais uma vez parecia próxima, a Karis sentiu a Presença de Deus muito perto dela. Estou grata ao Senhor por isso.
No livro, a senhora conta que sua filha recebeu várias supostas profecias e revelações dando conta de que seria curada – e tais previsões não se confirmaram. Quais os prejuízos emocionais e espirituais que isso acarretou à sua família?
Bem, nós aprendemos a usar de discernimento e cautela com as pessoas que queriam orar pela Karis ou entregar-lhe profecias, pois muitas deixaram-na muito mal. Minha filha é uma pessoa muito amorosa, mas quando disse que não estava conseguindo aguentar esse tipo de situação, tratamos de protegê-la. É difícil para uma menina num leito de extremo sofrimento, que apesar disso está seguindo a Deus com todo o seu coração, ouvir que está ali por conta de seus pecados ou de sua falta de fé. Creio que ninguém quis prejudicar a ela ou a nossa família; simplesmente, muitas pessoas não tiveram o discernimento adequado para nos abençoar da maneira que, sem dúvida, gostariam de haver feito.
Como fica o relacionamento familiar numa situação de crise permanente?
Tentamos equilibrar um dia de cada vez, às vezes conseguimos e outras vezes não – aí, precisamos pedir perdão e tentar restituir uns aos outros no que falhamos. Não acho que exista uma solução mágica ou fácil para isso. Tentei escrever no livro o suficiente sobre estes temas, para que outras pessoas, que também enfrentam esse tipo de pressões, pudessem pelo menos se sentir menos isolados e confusos nesta corda-bamba diária. Uma enorme bênção é o amor que existe entre nossos filhos, e eu e David, como pais, tentamos objetivamente valorizar cada um deles, mas muitas vezes não foi possível tratá-los igualmente. Por outro lado, outras famílias e a nossa igreja no Brasil têm ajudado a preencher lacunas inevitáveis, como minha ausência nos longos períodos em que precisei ficar nos Estados Unidos com Karis. Esse apoio tem sido precioso para nós.
De que maneira seus outros filhos têm reagido diante da inevitável prioridade que a senhora tem dado, esses anos todos, a Karis?
Os nossos filhos dizem que a minha disciplina era rígida em comparação com o que observaram entre os colegas. O fato é que eu simplesmente não tive recursos emocionais para aguentar brigas, queixas ou discussões; então, não permiti que agissem assim comigo ou na minha presença. Para brigar entre si, eles tinham que entrar num quarto com a porta fechada e sair apenas quando estivessem em paz. Não sei como teria sido se eu não tivesse tanto estresse sobre mim. Em contrapartida, tentamos ouvir os nossos filhos com respeito e, dentro de nossas possibilidades, atender às suas necessidades e desejos. Raquel, uma de minhas filhas, hoje com 23 anos, não entendia por que Deus permitia tudo que já aconteceu com Karis, e qual o motivo de tanta dor. “Que Deus de amor é esse?”, questionava. Mas com o tempo, esse coração endurecido simplesmente a levou à raiva e à amargura. Só quando Raquel procurou confiar mais no Senhor, apesar das dificuldades, reconhecendo sua bondade e entendendo que ele se importa como nosso bem estar e sente nossa dor, que as coisas começaram a melhorar na sua vida espiritual e emocional. Hoje, ela entende que Deus é bom e compassivo, digno de toda devoção. Já a Valéria, que tem 20 anos, chegou a duvidar até mesmo da existência de Deus. A solução foi a decisão de crer nele, mesmo sem perceber nenhuma evidência de seu amor para com Karis e sem garantia do futuro. Ela permanece firme nessa decisão até hoje, o que lhe dá força para enfrentar cada novo dia.
Tanto a senhora, atendendo sua filha, como seu marido, em suas tarefas ministeriais, passam longos períodos longe um do outro. A vida conjugal sobrevive diante dessa realidade?
Escrevi um pouco no livro sobre as nossas lutas ao longo dos primeiros vinte anos da vida da Karis. Conversas com outros casais com filhos doentes confirmam que a nossa experiência é comum. Aliás, isso faz sentido: dizem que a média de divórcios entre pessoas sem as pressões de uma doença crônica na família está na faixa de 40% a 50% – imagine então o desafio para os casais que, além de todas as demandas do dia a dia, precisam lidar com o estresse multiplicado pela enfermidade de um filho. É claro que isso afeta a dimensão do relacionamento conjugal. Parece que uma doença crônica é como um grande buraco escuro, onde é jogado tudo que se tem de tempo, energia, atenção, recursos financeiros e até criatividade, restando pouco ou nada para dar ao cônjuge. Além disso, nunca podemos contar com a realização de um plano. Muitas vezes tivemos que cancelar uma viagem em família por conta de uma crise de Karis ou passar as férias num quarto de hospital. Não tem sido fácil, claro. É uma tensão persistente. O tempo que temos juntos é precioso. Quando fico ciente das lutas de outros casais que enfrentam estresses mais, digamos, normais, fico admirada da determinação e compromisso que o meu marido tem com o nosso casamento. O que mais vejo entre os que lidam com doença crônica na família é o marido não aguentando a situação e pulando fora.
Hoje em dia, é normal que casais de obreiros desenvolvam o mesmo ministério. Até que ponto seu chamado é diferente do de seu marido e quais as interseções entre eles?
David trabalha mais com o Mapi, pastoreando pastores. Já eu tenho atuado com o Rever, um ministério de restauração da alma, especificamente com sobreviventes de abuso sexual. Meu marido ajudou na organização do Rever e dedicou bastante tempo ao início do ministério, mas agora dá pouca atenção a esta área diretamente. No Mapi, o que mais tenho feito é ajudar no aconselhamento de casais pastorais, onde é vantajoso trabalharmos como casal. Há muito mais que David e eu gostaríamos de fazer juntos, se Deus permitir.
Sua atividade missionária, bem como a de seu marido, obrigou sua família a constantes mudanças. De que forma a mulher deve enfrentar a situação, já que é delas a maior instabilidade nestas situações?
Em nosso caso, as viagens constantes de meu marido deixam para mim uma responsabilidade maior para manter a estabilidade em casa. Quando as crianças eram pequenas, eu praticamente não viajei com David – fiquei em casa para cuidar dos filhos e me envolvi em ministérios locais. Aliás, recebi críticas de pessoas que achavam melhor que eu acompanhasse mais o trabalho dele, mas não me arrependo. A vida da mulher tem fases, e a fase da infância dos filhos exige dela um compromisso específico por alguns anos. Quando nossos filhos estavam mais independentes, comecei a viajar uma vez por mês – às vezes com meu marido, às vezes sozinha –, mas tentei nunca ultrapassar este limite. Deixei claro que as necessidades de meus filhos eram a prioridade. Além disso, precisei manter os meus compromissos mais flexíveis do que seriam no caso de uma mulher sem filho doente. Felizmente, a nossa missão valoriza e apóia o cuidado da família como parte da vocação missionária.
Durante décadas, a Igreja brasileira tem sido influenciada por missionários estrangeiros, sobretudo americanos. A senhora acha que obreiros dos EUA ainda têm o que oferecer ao Brasil, que hoje é uma potência evangélica?
Na minha perspectiva, a Igreja brasileira amadureceu muito. Chegamos ao Brasil em 1990, e naquela época a Igreja parecia uma adolescente, com muito entusiasmo, mas sem tanta estabilidade ou profundidade. A falta de um discipulado adequado fazia com que muitos convertidos saíssem pela porta dos fundos. Poucas igrejas usavam grupos pequenos para aprofundar estudos bíblicos, incentivar relacionamentos ou evangelizar. Além disso, havia competição entre denominações; faltava um trabalho conjunto para alcançar as suas cidades e pouco se fazia para ministrar às gritantes necessidades sociais do país. Agora, quase vinte anos mais tarde, parece-me que a Igreja brasileira tem amadurecido ao ponto de assumir mais responsabilidade, não apenas para cuidar de si, mas de multiplicar-se, até mesmo em outros países. A firmeza espiritual da Igreja será revelada na qualidade de suas obras missionárias. Vejo trabalhos muito sérios e eficazes, maior cooperação e respeito entre as denominações e maior ênfase em ministérios holísticos, que cuidam de todas as dimensões da pessoa, e não apenas do aspecto espiritual. Se a Igreja brasileira se fechasse para missionários estrangeiros, continuaria muito bem, talvez até melhor, pois teria que assumir tudo para si.
Então, o tempo dos missionários estrangeiros já passou?
Não, acho que existem áreas em que essa participação ainda é bem vinda. Uma vantagem que os missionários estrangeiros têm a oferecer à Igreja do Brasil é o recurso de tempo integral e, na maioria das vezes, de sustento provido. Assim, alguém como o meu marido pode viajar pelo país afora, oferecendo-se de uma forma que seria difícil para a maioria dos pastores brasileiros, simplesmente por falta de condições. Veja o meu interesse em treinar líderes para grupos de apoio a vítimas de abuso sexual. Creio piamente na habilidade de brasileiros de fazer este trabalho muito melhor do que eu. Mas desconheço alguém que tenha condições para dedicar-se explicitamente para levantar este ministério – pelo menos, ninguém apareceu até agora. Se Deus permitir que eu volte para o Brasil, o simples fato de ter estas condições de tempo, recursos e disponibilidade para viajar, poderá, pela graça de Deus, resultar em um ministério eficaz a nível nacional, com aliados em todas as principais cidades brasileiras. A meu ver, as áreas mais importantes para este tipo de parceria são exatamente as de cuidado e treinamento da liderança brasileira, conforme diz o lema da Sepal: “Servindo aos que servem”.
Missionários dependem dos chamados mantenedores. Com a crise que, surgida nos EUA, alastrou-se pelo mundo, o que deve mudar em relação ao sustento dos obreiros no campo?
Em um sentido importante, nada mudou: a nossa dependência de Deus para suprir as nossas necessidades, através da boa vontade e a generosidade de seu povo. Talvez a crise econômica mundial faça de todos nós melhores mordomos de nossos recursos. Ainda estamos longe do tipo de sacrifícios que gerações passadas abraçaram pela causa de Cristo. Talvez, a crise traga como benefício o fato de a Igreja mundial ter que repensar suas prioridades e valores. Mas creio que Deus ainda proverá recursos para as pessoas que ele chama para vocações missionárias.
O Mapi se propõe a preencher uma lacuna cada vez mais evidente na Igreja Evangélica: o pastoreio de pastores. As carências nas famílias dos pastores têm aumentado?
Não sei se as carências têm aumentado, ou se estão apenas mais evidentes, devido à maior liberdade na Igreja para reconhecê-las e expressá-las. Acho que a saúde da família é alvo específico de Satanás, que usa de muitas artimanhas para destruí-la, especialmente entre a liderança. Falhas na liderança refletem-se automaticamente no bem-estar da Igreja. Também lidamos com valores mundanos que invadem a Igreja, especialmente na área sexual e na idéia de que “merecemos” ser felizes, mesmo se isso leva à destruição de nossos casamentos. Muitos pastores e líderes foram criados em famílias disfuncionais e as igrejas não têm sabido ministrar restauração para eles – e, consequentemente, para seus membros em situações parecidas.
A relação entre as igrejas e os pastores precisa ser mudada?
Efésios 4 indica que os membros do Corpo é que devem fazer o ministério, valendo-se dos dons e habilidades que o Espírito distribui para cada um. Aos pastores, cabe cuidar e nutrir suas ovelhas, capacitando-as para o desenvolvimento de seus próprios ministérios. É uma relação diferente do que vemos na maioria das igrejas.
Durante muito tempo, foi reservado às mulheres um papel secundário nas igrejas. Hoje, elas não apenas ocupam cargos eclesiásticos, como até lideram denominações. O que a senhora pensa a respeito?
Que os homens se levantem! Acho que as mulheres têm preenchido um grande vazio deixado pela liderança masculina.
O que a senhora pensa acerca do acesso de divorciados, ou mesmo de pastores em segundo ou terceiro matrimônio, ao ministério?
O peso da dor de um divórcio é enorme, uma tragédia com sequelas até a terceira e quarta gerações. Que os pastores cuidem primeiro de si e de seus lares, para depois ter algo valioso e íntegro com que contribuir à Igreja.
Como cidadã americana, qual sua expectativa em relação ao governo de Barak Obama? Qual deve ser sua relação com o segmento evangélico dos EUA, e particularmente a direita protestante, majoritariamente republicana?
Estou muito entusiasmada e otimista a respeito do presidente Obama. Espero que a direita protestante venha deixar de lado os seus preconceitos e trabalhe harmonicamente para sarar as dores do país. Espero que o governo democrata possa melhorar a imagem do país no exterior, pois hoje esta imagem dificilmente poderia ser pior do que está.
Costuma-se dizer que quem sofre adquire mais sensibilidade para perceber o sofrimento dos outros. Quando a relação envolve mãe e filha, então, a situação é muito mais delicada. Há 24 anos, a missionária Débora Kornfield, nascida nos Estados Unidos, criada na Guatemala e radicada no Brasil – mais precisamente, em São Paulo –, vive um drama familiar: a doença crônica de sua filha Karis. Ela nasceu com uma grave deficiência intestinal que paralisa seu trato digestivo. Desde seus primeiros dias de vida, ela tem convivido com um calvário de longas internações, delicadas cirurgias e desgastantes tratamentos. “É uma dor que não tem fim”, resume Débora.
A dura realidade tem afetado não apenas Karis e Débora, como também seus três outros filhos e o marido, e também missionário, David Kornfield. A vida da família tem girado em torno de um misto de provações e fé – muita fé, diga-se de passagem. Obreiros ligados à Sepal – Servindo Pastores e Líderes, entidade de origem americana sediada na capital paulista, David e Débora estão no Brasil desde 1990. Eles desenvolvem um frutífero ministério junto à liderança evangélica, o Mapi (Ministério de Apoio a Pastores e Líderes), baseado na mentoria espiritual. Débora, autora do livro Vítima, sobrevivente, vencedor (Editora Sepal), dedica-se ao ministério de restauração e especializou-se no aconselhamento a pessoas vitimadas pelo abuso sexual.
Agora, a missionária, de 54 anos, prepara-se para lançar um novo livro, onde conta os paradoxos entre a confiança na graça de Deus e a própria atitude diante de uma enfermidade que, apesar de algumas melhoras pontuais, não cede. “Reconheço que já nos sentimos injustiçados por Deus”, admite Débora. Em Karis – Adorando a Deus no deserto, que chega às livrarias em março pela Editora Mundo Cristão, ela faz um relato detalhado de como tem enfrentado a doença de Karis, os questionamentos acerca do amor de Deus, as dificuldades em família e o espectro sempre presente da morte. “O Senhor tem me desafiado a cada dia a lhe dar glórias, a perseverar e a crescer na minha fé”, diz. É uma luta que recomeça a cada amanhecer.
CRISTIANISMO HOJE – Como está sua filha hoje?
DÉBORA KORNFIELD – Ela está vivendo um dia de cada vez. Em novembro passado, ela passou por uma situação grave de rejeição e infecção [N.da Redação: na semana em que a entrevista foi concedida, Karis estava internada nos Estados Unidos, com obstrução intestinal e outras complicações]. Nestes últimos meses, ela passou por duas cirurgias de grande porte. Na verdade, ela não esteve bem durante o ano de 2008.
O livro é um desabafo?
O Salmo 145 nos manda contar os atos poderosos do Senhor. Senti que deveria escrever o livro por três motivos. Primeiro, para não me esquecer do que Deus tem feito por mim. Segundo, para encorajar outras pessoas em meio às suas dificuldades; e, em terceiro lugar, para que eu mesma pudesse entender melhor a nossa peregrinação – e, através disso, talvez ajudar a nossa família. Quando começamos a contar a história no site da Karis, recebi tantos e-mails de pessoas que de fato foram tocadas e encorajadas por Deus através do que lhe aconteceu que percebi que o Senhor queria usar isso para fortalecer o seu povo. Ora, a linguagem do sofrimento é comum a todos, independente do tipo de provação que cada um enfrenta.
A senhora diz várias vezes que sua própria filha pediu que não orassem mais por sua cura, entendendo que, como Paulo, deveria aprender a conviver com o “espinho na carne”. Como saber a maneira mais certa de orar nestas circunstâncias?
Creio que precisamos pedir a orientação de Deus em cada caso, pois o Senhor tem propósitos específicos em tudo que faz na vida de cada indivíduo. Não creio que a situação da Karis é modelo para outros, exceto na necessidade de procurar entender de Deus como devemos orar. Certamente, muitas pessoas continuaram (e continuam) a pedir cura para Karis, e estou muito agradecida por isso. Deus pode, a qualquer momento, responder dramaticamente a essas orações, como tem respondido tantas e tantas vezes de maneiras menos espetaculares, mas igualmente importantes para preservar a vida dela.
Se é assim, por que Deus não a cura definitivamente? Não seria um sinal muito mais poderoso do seu poder?
Penso que, se Deus curasse a Karis de vez, as pessoas dariam muitas glórias ao seu nome por alguns dias ou semanas; mas, depois, esqueceriam. Já por mais de 25 anos, Deus tem me desafiado a cada dia a lhe dar glórias, a perseverar, a crescer na minha fé, apesar dos momentos muito difíceis que temos passado. Pelas mensagens que recebo, acredito que outras pessoas têm a mesma percepção em relação à situação de minha filha.
Em algum momento, a senhora, sua filha ou sua família sentiram-se injustiçados por Deus? Como administraram este sentimento?
Claro que sim! Aliás, para descrever a luta de cada um de nós levaria muito tempo. Jamais, porém, ouvi a Karis expressar este sentimento. O que ela acha injusto é ser alvo de tantos recursos médicos e financeiros, dado o número de crianças totalmente saudáveis que morrem por fome ou por doenças fáceis de prevenir, especialmente em regiões pobres como a África. Quantas vezes ela tem chorado porque multidões não têm acesso às verbas gastas em favor dela. Como mãe, é claro, eu sofro junto com a Karis – muitas vezes, até pedi a Deus uma troca de lugares, passando para mim o sofrimento dela... Acho que qualquer mãe sentiria a mesma coisa. Confesso que, no início da vida de Karis, foi difícil para nós entender ou aceitar a situação dela, pois nunca havíamos nos imaginado passando por isso. Então, tentei escrever no livro um pouco sobre as minhas lutas – não tanto por me sentir injustiçada, mas por não entender o porquê de minha filhinha ter de sofrer tanto.
Mas um texto muito citado da Bíblia, no capítulo 53 do livro de Isaías, diz que Cristo tomou sobre si todas as nossas enfermidades. Como explicar, então, que a maioria dos crentes não recebe a cura divina? Falta-lhes fé?
Minha interpretação dessa passagem é um pouco diferente da de muitas pessoas. Jesus, por haver sofrido e passado o que passou, entende a minha dor, sente o que sinto, chora junto e me dá forças a cada dia. Por causa de textos no Novo Testamento, não creio que o de Isaías 53 significa que Cristo nos livra de todo sofrimento e enfermidade. Paulo diz que completamos em nossos corpos o sofrimento de Cristo. Os textos de Hebreus 2.14-18 e 4.14-16 destacam que podemos nos aproximar de Jesus confiantes de que ele sabe o que é sofrer, e se compadece de nosso sofrimento. Mas será apenas no novo Céu que Deus acabará com toda doença, morte, tristeza, choro e dor, conforme Apocalipse 21.4. Enquanto vivemos neste mundo caído, tais aspectos tristes da vida serão partes de nossa experiência.
Qual é o estado de ânimo de sua filha diante da doença?
É difícil começar a recuperar-se, por exemplo, de uma cirurgia, e logo enfrentar outro desafio, e mais outro, e mais outro, como ondas do mar que mal a permitem respirar. Essa tem sido sua rotina ao longo da vida. É claro que um processo desses impacta a vida emocional; não há como evitar isso. Um efeito colateral dos remédios que ela toma é a depressão. Até que a gente entendesse isso e a necessidade de tratamento específico – o que perdurará provavelmente pelo resto de sua vida –, sofremos muito. Por sua própria natureza, a Karis tem uma personalidade alegre, extrovertida, otimista. Por isso, esta depressão profunda causada pelos remédios foi talvez a mais difícil experiência de sua vida, pois ela sentiu que havia perdido até sua conexão com Deus. Mas nos últimos meses, desde que conseguiu sair do quadro depressivo, ela tem aguentado melhor. Acontece que minha filha tem sofrido uma série de perdas recentemente, inclusive a possibilidade de gerar filhos. E essas perdas precisam ser choradas, embora nem sempre achemos condições para este luto. No fim do ano passado, quando a possibilidade de morrer mais uma vez parecia próxima, a Karis sentiu a Presença de Deus muito perto dela. Estou grata ao Senhor por isso.
No livro, a senhora conta que sua filha recebeu várias supostas profecias e revelações dando conta de que seria curada – e tais previsões não se confirmaram. Quais os prejuízos emocionais e espirituais que isso acarretou à sua família?
Bem, nós aprendemos a usar de discernimento e cautela com as pessoas que queriam orar pela Karis ou entregar-lhe profecias, pois muitas deixaram-na muito mal. Minha filha é uma pessoa muito amorosa, mas quando disse que não estava conseguindo aguentar esse tipo de situação, tratamos de protegê-la. É difícil para uma menina num leito de extremo sofrimento, que apesar disso está seguindo a Deus com todo o seu coração, ouvir que está ali por conta de seus pecados ou de sua falta de fé. Creio que ninguém quis prejudicar a ela ou a nossa família; simplesmente, muitas pessoas não tiveram o discernimento adequado para nos abençoar da maneira que, sem dúvida, gostariam de haver feito.
Como fica o relacionamento familiar numa situação de crise permanente?
Tentamos equilibrar um dia de cada vez, às vezes conseguimos e outras vezes não – aí, precisamos pedir perdão e tentar restituir uns aos outros no que falhamos. Não acho que exista uma solução mágica ou fácil para isso. Tentei escrever no livro o suficiente sobre estes temas, para que outras pessoas, que também enfrentam esse tipo de pressões, pudessem pelo menos se sentir menos isolados e confusos nesta corda-bamba diária. Uma enorme bênção é o amor que existe entre nossos filhos, e eu e David, como pais, tentamos objetivamente valorizar cada um deles, mas muitas vezes não foi possível tratá-los igualmente. Por outro lado, outras famílias e a nossa igreja no Brasil têm ajudado a preencher lacunas inevitáveis, como minha ausência nos longos períodos em que precisei ficar nos Estados Unidos com Karis. Esse apoio tem sido precioso para nós.
De que maneira seus outros filhos têm reagido diante da inevitável prioridade que a senhora tem dado, esses anos todos, a Karis?
Os nossos filhos dizem que a minha disciplina era rígida em comparação com o que observaram entre os colegas. O fato é que eu simplesmente não tive recursos emocionais para aguentar brigas, queixas ou discussões; então, não permiti que agissem assim comigo ou na minha presença. Para brigar entre si, eles tinham que entrar num quarto com a porta fechada e sair apenas quando estivessem em paz. Não sei como teria sido se eu não tivesse tanto estresse sobre mim. Em contrapartida, tentamos ouvir os nossos filhos com respeito e, dentro de nossas possibilidades, atender às suas necessidades e desejos. Raquel, uma de minhas filhas, hoje com 23 anos, não entendia por que Deus permitia tudo que já aconteceu com Karis, e qual o motivo de tanta dor. “Que Deus de amor é esse?”, questionava. Mas com o tempo, esse coração endurecido simplesmente a levou à raiva e à amargura. Só quando Raquel procurou confiar mais no Senhor, apesar das dificuldades, reconhecendo sua bondade e entendendo que ele se importa como nosso bem estar e sente nossa dor, que as coisas começaram a melhorar na sua vida espiritual e emocional. Hoje, ela entende que Deus é bom e compassivo, digno de toda devoção. Já a Valéria, que tem 20 anos, chegou a duvidar até mesmo da existência de Deus. A solução foi a decisão de crer nele, mesmo sem perceber nenhuma evidência de seu amor para com Karis e sem garantia do futuro. Ela permanece firme nessa decisão até hoje, o que lhe dá força para enfrentar cada novo dia.
Tanto a senhora, atendendo sua filha, como seu marido, em suas tarefas ministeriais, passam longos períodos longe um do outro. A vida conjugal sobrevive diante dessa realidade?
Escrevi um pouco no livro sobre as nossas lutas ao longo dos primeiros vinte anos da vida da Karis. Conversas com outros casais com filhos doentes confirmam que a nossa experiência é comum. Aliás, isso faz sentido: dizem que a média de divórcios entre pessoas sem as pressões de uma doença crônica na família está na faixa de 40% a 50% – imagine então o desafio para os casais que, além de todas as demandas do dia a dia, precisam lidar com o estresse multiplicado pela enfermidade de um filho. É claro que isso afeta a dimensão do relacionamento conjugal. Parece que uma doença crônica é como um grande buraco escuro, onde é jogado tudo que se tem de tempo, energia, atenção, recursos financeiros e até criatividade, restando pouco ou nada para dar ao cônjuge. Além disso, nunca podemos contar com a realização de um plano. Muitas vezes tivemos que cancelar uma viagem em família por conta de uma crise de Karis ou passar as férias num quarto de hospital. Não tem sido fácil, claro. É uma tensão persistente. O tempo que temos juntos é precioso. Quando fico ciente das lutas de outros casais que enfrentam estresses mais, digamos, normais, fico admirada da determinação e compromisso que o meu marido tem com o nosso casamento. O que mais vejo entre os que lidam com doença crônica na família é o marido não aguentando a situação e pulando fora.
Hoje em dia, é normal que casais de obreiros desenvolvam o mesmo ministério. Até que ponto seu chamado é diferente do de seu marido e quais as interseções entre eles?
David trabalha mais com o Mapi, pastoreando pastores. Já eu tenho atuado com o Rever, um ministério de restauração da alma, especificamente com sobreviventes de abuso sexual. Meu marido ajudou na organização do Rever e dedicou bastante tempo ao início do ministério, mas agora dá pouca atenção a esta área diretamente. No Mapi, o que mais tenho feito é ajudar no aconselhamento de casais pastorais, onde é vantajoso trabalharmos como casal. Há muito mais que David e eu gostaríamos de fazer juntos, se Deus permitir.
Sua atividade missionária, bem como a de seu marido, obrigou sua família a constantes mudanças. De que forma a mulher deve enfrentar a situação, já que é delas a maior instabilidade nestas situações?
Em nosso caso, as viagens constantes de meu marido deixam para mim uma responsabilidade maior para manter a estabilidade em casa. Quando as crianças eram pequenas, eu praticamente não viajei com David – fiquei em casa para cuidar dos filhos e me envolvi em ministérios locais. Aliás, recebi críticas de pessoas que achavam melhor que eu acompanhasse mais o trabalho dele, mas não me arrependo. A vida da mulher tem fases, e a fase da infância dos filhos exige dela um compromisso específico por alguns anos. Quando nossos filhos estavam mais independentes, comecei a viajar uma vez por mês – às vezes com meu marido, às vezes sozinha –, mas tentei nunca ultrapassar este limite. Deixei claro que as necessidades de meus filhos eram a prioridade. Além disso, precisei manter os meus compromissos mais flexíveis do que seriam no caso de uma mulher sem filho doente. Felizmente, a nossa missão valoriza e apóia o cuidado da família como parte da vocação missionária.
Durante décadas, a Igreja brasileira tem sido influenciada por missionários estrangeiros, sobretudo americanos. A senhora acha que obreiros dos EUA ainda têm o que oferecer ao Brasil, que hoje é uma potência evangélica?
Na minha perspectiva, a Igreja brasileira amadureceu muito. Chegamos ao Brasil em 1990, e naquela época a Igreja parecia uma adolescente, com muito entusiasmo, mas sem tanta estabilidade ou profundidade. A falta de um discipulado adequado fazia com que muitos convertidos saíssem pela porta dos fundos. Poucas igrejas usavam grupos pequenos para aprofundar estudos bíblicos, incentivar relacionamentos ou evangelizar. Além disso, havia competição entre denominações; faltava um trabalho conjunto para alcançar as suas cidades e pouco se fazia para ministrar às gritantes necessidades sociais do país. Agora, quase vinte anos mais tarde, parece-me que a Igreja brasileira tem amadurecido ao ponto de assumir mais responsabilidade, não apenas para cuidar de si, mas de multiplicar-se, até mesmo em outros países. A firmeza espiritual da Igreja será revelada na qualidade de suas obras missionárias. Vejo trabalhos muito sérios e eficazes, maior cooperação e respeito entre as denominações e maior ênfase em ministérios holísticos, que cuidam de todas as dimensões da pessoa, e não apenas do aspecto espiritual. Se a Igreja brasileira se fechasse para missionários estrangeiros, continuaria muito bem, talvez até melhor, pois teria que assumir tudo para si.
Então, o tempo dos missionários estrangeiros já passou?
Não, acho que existem áreas em que essa participação ainda é bem vinda. Uma vantagem que os missionários estrangeiros têm a oferecer à Igreja do Brasil é o recurso de tempo integral e, na maioria das vezes, de sustento provido. Assim, alguém como o meu marido pode viajar pelo país afora, oferecendo-se de uma forma que seria difícil para a maioria dos pastores brasileiros, simplesmente por falta de condições. Veja o meu interesse em treinar líderes para grupos de apoio a vítimas de abuso sexual. Creio piamente na habilidade de brasileiros de fazer este trabalho muito melhor do que eu. Mas desconheço alguém que tenha condições para dedicar-se explicitamente para levantar este ministério – pelo menos, ninguém apareceu até agora. Se Deus permitir que eu volte para o Brasil, o simples fato de ter estas condições de tempo, recursos e disponibilidade para viajar, poderá, pela graça de Deus, resultar em um ministério eficaz a nível nacional, com aliados em todas as principais cidades brasileiras. A meu ver, as áreas mais importantes para este tipo de parceria são exatamente as de cuidado e treinamento da liderança brasileira, conforme diz o lema da Sepal: “Servindo aos que servem”.
Missionários dependem dos chamados mantenedores. Com a crise que, surgida nos EUA, alastrou-se pelo mundo, o que deve mudar em relação ao sustento dos obreiros no campo?
Em um sentido importante, nada mudou: a nossa dependência de Deus para suprir as nossas necessidades, através da boa vontade e a generosidade de seu povo. Talvez a crise econômica mundial faça de todos nós melhores mordomos de nossos recursos. Ainda estamos longe do tipo de sacrifícios que gerações passadas abraçaram pela causa de Cristo. Talvez, a crise traga como benefício o fato de a Igreja mundial ter que repensar suas prioridades e valores. Mas creio que Deus ainda proverá recursos para as pessoas que ele chama para vocações missionárias.
O Mapi se propõe a preencher uma lacuna cada vez mais evidente na Igreja Evangélica: o pastoreio de pastores. As carências nas famílias dos pastores têm aumentado?
Não sei se as carências têm aumentado, ou se estão apenas mais evidentes, devido à maior liberdade na Igreja para reconhecê-las e expressá-las. Acho que a saúde da família é alvo específico de Satanás, que usa de muitas artimanhas para destruí-la, especialmente entre a liderança. Falhas na liderança refletem-se automaticamente no bem-estar da Igreja. Também lidamos com valores mundanos que invadem a Igreja, especialmente na área sexual e na idéia de que “merecemos” ser felizes, mesmo se isso leva à destruição de nossos casamentos. Muitos pastores e líderes foram criados em famílias disfuncionais e as igrejas não têm sabido ministrar restauração para eles – e, consequentemente, para seus membros em situações parecidas.
A relação entre as igrejas e os pastores precisa ser mudada?
Efésios 4 indica que os membros do Corpo é que devem fazer o ministério, valendo-se dos dons e habilidades que o Espírito distribui para cada um. Aos pastores, cabe cuidar e nutrir suas ovelhas, capacitando-as para o desenvolvimento de seus próprios ministérios. É uma relação diferente do que vemos na maioria das igrejas.
Durante muito tempo, foi reservado às mulheres um papel secundário nas igrejas. Hoje, elas não apenas ocupam cargos eclesiásticos, como até lideram denominações. O que a senhora pensa a respeito?
Que os homens se levantem! Acho que as mulheres têm preenchido um grande vazio deixado pela liderança masculina.
O que a senhora pensa acerca do acesso de divorciados, ou mesmo de pastores em segundo ou terceiro matrimônio, ao ministério?
O peso da dor de um divórcio é enorme, uma tragédia com sequelas até a terceira e quarta gerações. Que os pastores cuidem primeiro de si e de seus lares, para depois ter algo valioso e íntegro com que contribuir à Igreja.
Como cidadã americana, qual sua expectativa em relação ao governo de Barak Obama? Qual deve ser sua relação com o segmento evangélico dos EUA, e particularmente a direita protestante, majoritariamente republicana?
Estou muito entusiasmada e otimista a respeito do presidente Obama. Espero que a direita protestante venha deixar de lado os seus preconceitos e trabalhe harmonicamente para sarar as dores do país. Espero que o governo democrata possa melhorar a imagem do país no exterior, pois hoje esta imagem dificilmente poderia ser pior do que está.
2 comentários:
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