Pera lá. Quantos anos de vida possuímos? Nos meus quarentinha (e um!) vejo que já 18 anos se passaram desde que saí do Brasil para a Ásia Central. Os melhores da minha vida. O cara sai de uma equipe de evangelismo do Rio para um sonho de ver um Afeganistão transformado. Mas como assim? O que isso significa? Transformado? Naquela época eu só conhecia a palavra “impactado”. A ideia de um reino moldado na terra por valores que se traduzem em realidade, de maneira incorruptível e eternamente duradouro, não me alcançava ainda.
É interessante uma comparação que penso, há anos, no que diz respeito ao entendimento do meu entendimento enquanto brasileiro sobre a missão transformacional. Uma vez me vi numa sala de aula estudando com outros alunos de países sem a tradição protestante que outros como muitos da América do Norte e Europa têm. Estávamos cursando um mestrado da Universidade das Nações e debatendo o último livro do Vishal Mangalwadi, “O Livro que Fez o seu Mundo: Como a Bíblia criou a Alma da Civilização Ocidental”. O material contém muitos exemplos de como nações a partir da época de Lutero, que possuíram a Bíblia traduzida para a língua do seu povo, começaram a aplicar e transformar suas instituições gerando incrível desenvolvimento humano. Debatíamos e apreciávamos a história, até que nos surpreendemos pelo fato de que nenhum de nós tinha visto até hoje, nos nossos próprios países, a realidade do que significava uma nação transformada.
Muitos ali tinham saído das ilhas do Pacífico e América Latina, onde apesar de terem passado por incrível avivamento missionário, continuavam com seus países infestados de pobreza e iniquidade. Ainda assim, ali todos éramos missionários chamados por Deus e comprometidos a construir o reino de Deus em nações não alcançadas, que apesar de invisível se expressa visível, mas que nós mesmos não entendíamos como trazer à realidade, sem possuir o exemplo de nossos próprios países.
Não é verdade que os países desenvolvidos do mundo sejam a mais pura evidência do que é o Reino de Deus. Porém, é verdade que os países de origem protestante, e isso é fato, criaram sistemas diferentes valorizando a vida humana de tal forma que hoje todos possuem altos índices de desenvolvimento humano. E que esses países possuem uma tradição missionária de séculos, onde pessoas como William Carey saíam com ardor e entendiam que valorizar o indivíduo num sistema de vida e cultura pagão significava montar uma fábrica nova na sociedade geradora de ondas transformacionais que seriam capazes de refletir então o próprio céu na terra. E para onde iam começavam projetos com uma longevidade tal que lhes era necessário entregar todos os anos de suas vidas. Visões como a implantação de universidades, construção de hospitais, fundação de meios de mídia, tradução das Escrituras e o desenvolvimento de outros setores diversos da sociedade que vinham a modificar comportamento e alterar cultura.
Quando cheguei na Ásia Central no final dos anos ’90 pela primeira vez, uma sensação interessante de me sentir em casa tomava conta de mim. Eu havia ido morar no Uzbequistão para aprender a língua e me mudar então para o norte do Afeganistão, onde moravam cerca de 2 milhões de uzbeques que jamais haviam ouvido da Bíblia.
O Uzbequistão, como o Tadjiquistão e a maioria dos países da nossa região, é uma nação fechada, pós-soviética onde suas milhões de pessoas haviam recentemente se libertado do regime totalitário implantado por Lênin e Stalin há mais de 70 anos. Seu povo é relacional, tradicionalmente religioso e pacífico. O seu presidente é até hoje respeitado como alguém que foi contra a ditadura soviética, bradando independência e liderando a transição da criação de sua nova nação. Me lembrava do PT e de outros partidos do qual participei dos comícios desde a minha infância, ouvindo de todos que lutaram contra a ditadura militar e que trouxeram ao país o movimento das Diretas Já.
Eu vejo hoje que o meu país, assim como outros sul-americanos, é muito semelhante aos países da Ásia Central. Os altíssimos impostos, o controle da economia, a manipulação da política, o populismo de nossos líderes, a decadência da saúde e educação e o enorme estado que facilita tanto a imensa corrupção. Me parece que se tivesse que me referir ao meu país, como os colegas americanos e ingleses e alemães fazem, como exemplo do que o deles deveria se parecer, não teria a mínima chance. Na Ásia Central eles ganham de mil ainda de nós no setor segurança, onde não há sequer crime nas ruas. Hoje, alguns de nós brasileiros nos encontramos ameaçados de não voltar ao país se formos ao Brasil, porque eles pensam que irão contrair zika se nos permitirem em seus países.
A que posso me referir para trazer transformação aos setores da sociedade de outros países? Que presunção é a minha de achar que posso sonhar em consertar o país dos outros enquanto o meu anda tão desconstituído? Seria eu impossibilitado de discipular as nações?
É verdade que não possuímos uma matriz a que nos referir. Afinal, nosso país tem sido sempre e é até hoje uma colônia de exploração de commodities, onde hoje nós brasileiros somos os colonos. Isso porque nunca paramos para fundar uma nação com os valores do reino, de maneira totalmente atruísta. A igreja ainda não gerou líderes governamentais com chamado para construir um legado de nação política que reflita o céu na terra. Temos feito isso de maneira indireta, à medida que a igreja se multiplica. E muitas vezes nos contentamos com isso. Porém, salvo em alguns poucos quesitos, o Brasil não é modelo para replicarmos fora. Mas será que isso importa?
“E ele disse-lhes: Por isso, todo escriba instruído [discipulado] acerca do Reino dos céus é semelhante a um pai de família que tira do seu tesouro coisas novas e velhas.” Mateus 13:52
Digamos que, como é o caso de muitos, como foi o meu, nós tenhamos que começar uma família sem entender muito o que família significa. Nós geralmente buscamos alguém que respeitamos como pai/mãe de família e fazemos várias perguntas, nos aconselhamos e damos início na prática à nossa própria família. A graça de Deus manifesta o poder do evangelho na nossa história nos fazendo completamente livres. Em Tito 2:11, vemos que a graça tem poder soteriológico (de salvação) mas também pedagógico (de educação). Por isso, possuímos, nesse processo de sermos discípulos, instrução que nos dá o poder de constituir novas gerações com uma cosmovisão completamente diferente da de quando éramos do mundo. Então agora nos encontramos como pais de família. Assim como um dia aconteceu com Abraão.
Abraão se tornou o pai de uma nação através da qual todas as famílias da terra seriam abençoadas. Famílias. Eu posso analisar as atuais diferenças do Brasil com o mundo o quanto eu quiser, e sempre me sentir incapaz de montar uma nação transformada baseado naquilo que eu sei de desenvolvimento. Mas de uma coisa fomos todos feitos capazes. Gerar família. Eu posso sonhar o quanto eu quiser com a transformação do Afeganistão, mas enquanto eu não formar uma família, me casando com a terra e gerando nela filhos, eu não conseguirei perpetuar a vida do Reino naquele lugar.
Para se discipular nações é necessário ir em busca de filhos e filhas em quem você irá entregar todos os seus anos, trazendo à vida, alimentando, vigiando, pagando, dispostos a tudo para buscar o melhor, compartilhando com eles o nosso tesouro, as pérolas que obtemos do Senhor, antigas e novas. Mesmo quando eles andarem em busca da herança que o Pai celestial tem para eles. Sempre os promovendo, acolhendo, buscando, e ensinando a fazer o mesmo, entregando os nossos anos no altar do Senhor como oferta agradável para vê-los fazer coisas maiores que nós. Sei que valerá a pena, e será a chave para ver a história alterada. Essa micro-nação chamada família será a matriz na qual iremos nos basear para buscar a transformação do lugar para onde formos e de todo o mundo. E quanto mais filhos que geram filhos, mais rapidamente veremos que “o reino deste mundo se tornou no reino do Senhor e do Seu Cristo, e Ele reinará pelos séculos dos séculos.” (Ap. 11:15)
E quanto tempo isso levará? Pergunta pro seu pai e sua mãe!
A.P.P.*
*Missionário e mobilizador para Missões na Ásia Central