Wesiley Monteiro
O vocábulo missionário
deriva da palavra latina (mitto) que corresponde ao termo grego do Novo
Testamento traduzido como apóstolo, o qual significa “enviado”. Silas
Tostes afirma que um dos usos do termo grego “apostolos” designa “missionários
transculturais” (Sou Eu um Apóstolo? in Perspectivas no Movimento Cristão
Mundial, pp. 214-218).
Baseando-se em Patrick Johnstone (O
Futuro da Igreja Global, p. 226), pode-se dizer inicialmente que o termo MISSIONÁRIO
indica a pessoa enviada por uma igreja local com o objetivo de: 1.
Evangelizar; 2. Plantar igrejas; 3. Servir (ação social, discipulado,
treinamento de obreiros nativos, tradução e distribuição da Bíblia e de
literatura cristã, cuidado pastoral etc.).
A complexidade atual da obra
missionária levou à substituição de concepções restritas de “missionário” por
conceitos bastante abrangentes. Por exemplo, a exigência ideal de atuação “onde
Cristo ainda não foi anunciado” (longe ou perto) excluiria do conceito a
maioria dos missionários que se dedicam à capacitação de obreiros nativos.
Listamos a seguir cinco conceitos
distintos de missionário, de modo progressivo, do mais restrito ao mais
amplo. Três foram adaptados dos conceitos elencados por Patrick Johnstone (2,
3, 4), e os outros dois (1, 5) foram derivados para a noção mais restrita e
para a noção mais ampla, respectivamente. Os três conceitos “centrais”, que
refletem preferências existentes nos diferentes continentes (2, América do
Norte; 3, Europa e América Latina; 4, África e Ásia), também constam no
Apêndice 3 do livro Ore pelas Nações (Operation World), p. 362:
1. Toda pessoa
enviada para evangelizar, plantar igrejas ou servir de modo transcultural, fora
das fronteiras da Cristandade. Esse conceito restringe a atividade
missionária ao pioneirismo apostólico. Missionário seria quem desbrava os
campos dos povos não alcançados, inclusive dos povos carentes de
reevangelização após desaparecimento ou declínio acentuado do cristianismo
(como em regiões do Norte da África, Oriente Médio e Europa).
2. Toda pessoa
enviada para evangelizar, plantar igrejas ou servir de modo transcultural, fora
de seu país. Esse conceito não requer que o missionário (estrangeiro)
execute trabalho evangelístico pioneiro, embora o pioneirismo possa ser visto
como preferencial (o que de fato deve ser, tendo em vista, por exemplo, Lc 4:43
e Rm 15:20).
3. Toda pessoa
enviada para evangelizar, plantar igrejas ou servir de modo transcultural, no
exterior ou no seu próprio país, mas fora de seu local de origem. Esse
conceito abrange, por exemplo, os missionários transculturais brasileiros que
exercem suas atividades em nosso próprio país. Em pesquisa acerca do
contingente de missionários brasileiros, a Associação de Missões Transculturais
Brasileiras considerou “missionário transcultural brasileiro” no Brasil, para o
propósito da pesquisa, quem trabalha entre os indígenas, ribeirinhos, ciganos,
quilombolas, sertanejos, surdos, imigrantes, refugiados e hippies (Força
Missionária Brasileira Transcultural: pesquisa AMTB 2017, p. 03).
4. Toda pessoa
enviada para evangelizar, plantar igrejas ou servir de modo transcultural
ou não, no exterior ou no seu próprio país, mas fora de seu local de origem.
Esse conceito admite o missionário monocultural, desde que deixe seu lugar de
domicílio (de modo permanente ou não). Lembremos
que o Apóstolo Paulo também trabalhou de modo monocultural (entre os judeus). O
conceito abrange, por exemplo, o obreiro brasileiro que sai para plantar uma
igreja no interior de seu estado (missões estaduais).
5. Toda pessoa
enviada para evangelizar, plantar igrejas ou servir de modo transcultural ou
não, no exterior ou no seu próprio país, ainda que em seu local de origem,
desde que em ministério de tempo integral ou bivocacional. Esse conceito
abrange o missionário urbano, inclusive o que alcança estrangeiros na
sua própria região. Tempo integral e ministério bivocacional (ainda que em
tempo parcial) distinguem o missionário do cristão comum que evangeliza em
seu contexto ou que colabora em visita ao campo em férias. A menção ao obreiro
bivocacional inclui no conceito os profissionais em missões. Em nossa
opinião, esse conceito alargado faz mais justiça à complexidade das
necessidades da tarefa missionária hoje.
Enfim, somos todos missionários? Vejamos
o que diz o missiólogo William D. Taylor, embora mencione apenas obreiros
transculturais em sua definição de missionário (Evangelical Dictionary of
World Missions, p. 645, tradução nossa):
“Fazemos um desserviço ao ‘missionário’,
quando universalizamos o uso do termo. Embora todos os crentes sejam
testemunhas e servos do reino, nem todos são missionários. Não glamorizamos ou
exaltamos o missionário, ou lhe atribuímos maior honra na vida ou maior
recompensa no céu, nem criamos um ofício artificial. Destacamos que essa
conclusão decorre da teologia bíblica das vocações (Deus nos deu diversas
vocações e todas são santas, mas não todas iguais); da teologia dos dons (nem
todos são apóstolos, nem todos falam em línguas - 1Co 12:29) e, portanto, nem
todos os cristãos são missionários; e da teologia do chamado (o Deus Trino
soberanamente chama alguns para essa posição e tarefa). Esses homens e mulheres
são obreiros transculturais que servem dentro ou fora de suas fronteiras
nacionais e cruzarão algum tipo de barreira linguística, cultural ou geográfica
como enviados autorizados”.
RESPOSTAS RÁPIDAS A PERGUNTAS RÁPIDAS
1. Por
que todos os cristãos não são missionários de fato?
Deus é quem
concede dons e é soberano no chamado específico para o ministério missionário,
a ser exercido por obreiros de tempo integral ou bivocacionais. Paulo ensina:
"Se todo o corpo fosse olho, onde estaria o ouvido?" (1Co 12:17)
“ ou “Porventura, são todos apóstolos? Ou, todos profetas? [..]” (1Co
12:29). De certa forma, todos são missionários apenas em potencial - o que
equivale a dizer que nem todos o são... De qualquer modo, todos os cristãos
precisam responder ao chamado geral para o engajamento na Missão, que inclui o
de evangelização onde quer que estejam.
2. A dedicação
de tempo integral é importante para o conceito de missionário?
Sim, pois o
ministério de tempo integral deve ser a regra. Rinaldo de Mattos, em ensaio
publicado na página eletrônica da AMTB com o título A Teologia Bíblica da
Vocação e Chamada, fala da necessidade de tempo integral para o missionário
em sentido específico, ao citar a hipótese de três professoras que, a partir da
experiência de magistério infantil em escolas públicas, decidiram ministrar a
crianças. A primeira ingressou no ministério infantil de sua igreja no tempo
livre; a segunda pediu exoneração do cargo público e, com o sustento de sua
igreja, dedicou-se integralmente nas atividades de organização instituída com o
fim de cuidar de crianças de sua cidade; a terceira segue o caminho da anterior
e passa a ministrar a crianças no interior do Brasil com o apoio de sua igreja.
Mattos não considera apropriado chamar de “missionária” a primeira obreira. Ele
também não aplica o termo às equipes de voluntários que apoiam missionários no
campo.
3. “Ministério
bivocacional” deve realmente ser incluído no conceito de missionário?
A atividade
profissional pode ser uma boa estratégia, ainda que leve o missionário a servir
em tempo parcial. Pode ser útil nos campos “de acesso criativo“ e necessária
para manutenção da atividade ministerial ou para a subsistência do próprio
missionário. Assim, a inclusão de obreiros bivocacionais é necessária, embora a
dedicação de tempo integral seja a ideal. Usando o exemplo de Rinaldo de Mattos,
suponha que as duas missionárias tenham o sustento da igreja reduzido. Uma
delas passa a ser assalariada em escola infantil confessional (onde o ensino
inclui a evangelização), de modo que continua a servir em tempo integral. A
outra passa a lecionar em escola particular não confessional, de modo que se
dedica apenas em tempo parcial ao ministério propriamente dito. Ambas passaram
a exercer ministério missionário bivocacional.
4. Por
que muitas pessoas bem intencionadas passaram a dizer equivocadamente que todos
os cristãos são missionários?
Há dois motivos
principais. Primeiro, para rejeitar a ideia de uma “categoria” de cristãos que
poderia ser entendida como limitada e especial. Mas o equívoco da categorização
dos cristãos engajados na Grande Comissão não precisa ser corrigido com a
afirmação de que todos são missionários, mas sim com o ensino bíblico de que
todos têm igual valor, independentemente de suas funções no Corpo de Cristo (1Co
12:20-25). Segundo, para universalizar a reponsabilidade pela tarefa
missionária. Porém, o apelo para o engajamento não requer a atribuição do
título de missionário à generalidade dos cristãos. Nem todos os cristãos
evangelizam de fato. Como, então, todos os cristãos são missionários?
5. Dizer
que "a tarefa missionária compete a todos", o que é sabidamente correto,
não implica dizer que todos são missionários?
A tarefa
missionária somente é cumprida quando há oração, envio e colaboração de
diversas formas. O cristão que ora por missionários ou que para eles contribui
não se torna missionário somente por essa razão. Por exemplo, o cristão
exemplar que lucra com a vida de intenso trabalho na criação de gado e
contribui para o Projeto Z do missionário Y, ainda que com bastante
voluntariedade e engajamento, não pode ser considerado missionário
automaticamente. O engajamento em missões deve ocorrer não apenas pelo
missionário, mas pelo mobilizador, colaborador, contribuinte permanente ou
eventual, cuidador etc.
6. Em
que sentido todos os crentes são missionários em potencial?
“Em potencial” designa
uma possibilidade, pressupondo, no momento, a impropriedade da atribuição da
qualificação correlata. Não sabemos previamente quem são aqueles que Deus chamará
para o ministério específico de missionário. Qualquer crente pode ser vocacionado
para esse ministério, o que aponta para a necessidade de que todos recebam
instrução acerca dos distintos campos missionários. Devemos rogar a Deus que
mande muitos obreiros missionários para a Sua grande seara (Mt 9:38). Nossa
oração também deve ser para que todos os cristãos respondam ao chamado geral de
evangelização onde quer que estejam. Somente na hipótese de resposta positiva é
que se poderia aplicar a todos os cristãos engajados, numa acepção demasiadamente
ampla, a palavra “missionário”. Mas, em relação a esse sentido genérico, o
termo tem sido substituído com mais precisão pelo vocábulo abrangente “missional”,
que pode ser aplicado adequadamente (inclusive) aos que evangelizam e servem
com seus dons no contexto de sua própria igreja local.
7. Como
acontece o chamado missionário?
Além do chamado
geral de Deus para santidade e evangelização, há o chamado específico para o
ministério (geralmente de tempo integral) como pastor, evangelista, mestre, missionário
etc. O chamado missionário não se confunde com o direcionamento geográfico,
cultural ou religioso. Segundo Timóteo Carriker (A Vocação Missionária in Perspectivas
no Movimento Cristão Mundial, p. 762), o chamamento missionário “mais
frequentemente, manifesta-se como uma convicção profunda e crescente, baseada
em princípios bem definidos da Palavra de Deus, testemunhada no interior pelo
Espírito de Deus e confirmada no exterior pelo Corpo de Cristo, a igreja”.
Em outros termos, o chamado missionário pressupõe três elementos básicos: 1. Submissão
à Palavra de Deus; 2. Testemunho interno do Espírito Santo e 3. Reconhecimento externo
da igreja.
8. Existe
hoje uma confusão terminológica?
Embora a
delimitação do campo semântico de termos importantes na Missiologia não seja
fácil, diz-se que a igreja é missional, termo que corresponde à missão,
a qual é entendida de modo amplo como a “iniciativa histórica redentiva de
Deus a favor de Sua criação” (Tennent, Invitation to World Missions,
p. 54). A participação da igreja na missão de Deus inclui as missões,
à qual se refere o vocábulo missionário. Este termo, quando assume a
forma de adjetivo, tem campo semântico mais amplo que o termo na forma
de substantivo, razão pela qual se fala em “tarefa missionária”,
“igreja missionária”, “movimento missionário”, “povo missionário”
etc., embora abrangendo a atividade do missionário.
9. Qual
é a missão da igreja?
Existem três
entendimentos básicos entre os evangélicos:
A. A missão deve
ser identificada na evangelização.
B. A missão deve
ser identificada na evangelização e na promoção de justiça social, mas com a
primazia da proclamação do evangelho. Scott Moreau afirma
que essa segunda corrente ganhou proeminência entre os evangélicos (Evangelical
Dictionary of World Missions, pp. 636-638).
C. A missão deve
ser identificada na evangelização e na promoção de justiça social, sem a
primazia de qualquer uma delas.
10. Qual
a diferença entre evangelismo e missões?
Evangelismo se
refere simplesmente à comunicação do evangelho. Essa comunicação pode ocorrer não
apenas em palavras, mas também com obras em relação às quais há
inequívoca percepção de que refletem o amor de Cristo. Missões abrangem o
evangelismo, cruzando barreiras culturais, geográficas ou até mesmo sociais
(evangelismo monocultural e transcultural). São realizadas tanto pelos
missionários que servem em campo, como por colaboradores que oram e contribuem
de diversas formas. Mas a condição de “parceiros da missão” não os torna automaticamente
“missionários”, da mesma forma que um ato de evangelismo por um cristão não o torna
ipso facto detentor do dom de evangelista.
11. O
missionário que planta uma igreja e permanece por muito tempo como pastor local
da igreja plantada deixa de ser missionário e se torna um pastor não
missionário?
Considerando que a
vocação missionária é distinta da vocação pastoral, o missionário que assume cumulativamente
o ministério pastoral pode permanecer como missionário pastor (ou pastor
missionário) durante muito tempo. Ele naturalmente deixa de ser missionário
caso assuma o pastorado em caráter exclusivo e definitivo.
12. Os
líderes de organização missionária que permanecem durante muito tempo nas
atividades de retaguarda (logística, cuidado missionário, capacitação etc.)
podem ainda ser considerados missionários?
Sim. A grande
maioria já serviu e continua servindo com visitas ministeriais ao campo e são
agentes estratégicos importantes na evangelização e plantação de igrejas. A
mesma afirmação se aplica aos missionários pesquisadores. Na Bíblia, vemos que
o grupo dos 12 Apóstolos, enquanto mantinha residência fixa em Jerusalém e dali
supervisionava os campos missionários, não perdeu, é claro, a condição de
“enviados”.
13. O
missionário que regressou do campo, permanecendo por muito tempo sem atividade tipicamente
missionária, pode ainda ser considerado missionário?
Precisamos saber
se o missionário se aposentou ou apenas está desprovido das condições adequadas
para retornar ao campo ou atender a novo direcionamento do Espírito. Muitos
continuam servindo como capacitadores de novos vocacionados. Paulo, por
exemplo, ainda que tenha ficado recluso na prisão de Cesareia por um bom tempo,
não se destituiu da posição de missionário e aproveitou todas as oportunidades
para a proclamação do Reino de Deus entre as autoridades romanas.
14. Devemos
considerar missionário quem apenas tem o título de missionário dado por uma
igreja e não tem atividades de campo?
Cada igreja ou
denominação tem seu modo de organizar sua liderança e seus ministérios. Do
ponto de vista bíblico, porém, o referido título eclesiástico deve corresponder
à atividade tipicamente missionária.
BIBLIOGRAFIA CITADA
ASSOCIAÇÃO DE MISSÕES
TRANSCULTURAIS BRASILEIRAS. Força Missionária Brasileira Transcultural.
Brasília, 2017.
CARRIKER, Timóteo.
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Mundial. São Paulo: Vida Nova, 2009.
JOHNSTONE, Patrick.
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MANDRYK, Jason;
WALL, Molly (Org). Ore pelas Nações: um guia completo de missões e
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MATTOS, Rinaldo de.
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TENNENT, Timothy C. Invitation to World Missions:
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TOSTES, Silas. Sou Eu um Apóstolo? In: WINTER,
Ralph D.; HAWTHORNE, Steven C.; BRADFORD, Kevin D (Coord.). Perspectivas no Movimento Cristão Mundial. São Paulo: Vida
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