Um
cirurgião americano dedicado, amado por quase todos que o conheceram, morreu há pouco mais de sessenta anos - sozinho, em uma cela fria longe de casa.
Ele
foi preso na China por falsas acusações, com base em evidências plantadas. Ele
foi espancado, ridicularizado, espetado com varas de bambu por guardas da
prisão. Levado ao desespero por interrogatórios brutais, ele ficou abalado ao
ponto de beirar a insanidade em seus últimos dias, segundo testemunhas presas
com ele.
Mas
poucos acreditaram na história oficial de que o médico de 43 anos cometera
suicídio depois que ele foi encontrado pendurado em uma viga em sua cela, na
manhã de 10 de fevereiro de 1951. Um colega que viu seu corpo com poucas
evidências de enforcamento - mas muitas marcas de abuso físico.
Ele
foi rapidamente enterrado por alguns amigos sob a vigilância de uma escolta
armada; nenhum serviço religioso era permitido. Seus restos mortais não foram
devolvidos aos Estados Unidos até 1985.
Que
injustiça, muitos disseram na época - e nas décadas seguintes. Que tragédia.
Que desperdício.
Injustiça,
sim. Desperdício? Longe disso.
O
missionário batista do sul, Bill Wallace, pode ter sofrido intensamente em suas
últimas semanas na Terra, mas há muito tempo estava preparado para isso.
"Volte
e cuide do hospital", disse ele aos colegas de trabalho quando foi preso.
"Estou pronto para dar a minha vida, se necessário."
Wallace
não foi o único missionário estrangeiro martirizado na China durante os
tumultuosos anos de invasão japonesa, guerra civil e o início do regime
comunista - que encerrou a era missionária. Mas sua história de vida tornou-se
tão familiar para os batistas do sul de várias gerações quanto a de Lottie
Moon, a heroína missionária que morreu servindo a China várias décadas antes da
chegada de Wallace.
Nascido
em Knoxville, Tennessee, em 1908, Wallace era filho de um médico e, quando
menino, acompanhava o pai nas consultas de pacientes. Aos 17 anos - enquanto
trabalhava em um carro na garagem da família - Wallace ouviu o chamado de Deus
para missões médicas. Ele respondeu que sim, registrou o compromisso na folha
de trás de seu Novo Testamento e nunca mais voltou atrás.
Após
a faculdade de medicina e a residência cirúrgica no Hospital Geral de
Knoxville, Wallace recusou uma oferta lucrativa para se tornar parceiro de um
cirurgião notável. Ele foi nomeado em 1935 como missionário na China pelo
Conselho de Missão Estrangeira Batista do Sul - 10 anos após o mês em que assumiu
o compromisso de garagem.
Ele
foi a Wuchow (agora Wuzhou), no sul da China, onde os missionários do Hospital
Stout Memorial, administrado por batistas, oravam desesperadamente por um
cirurgião.
Wallace
imediatamente ganhou a reputação de ser um homem gentil de poucas palavras, um cirurgião talentoso, um trabalhador
incansável - e um servo absolutamente comprometido de Cristo, o médico gentil que
Ele emulava. Um colega uma vez avisou que quem procurava Wallace deveria
procurar o paciente mais doente do hospital; Wallace estaria lá.
Ele
trabalhou nos bombardeios japoneses enquanto as macas dos feridos se alinhavam
nos corredores - uma vez terminando uma operação depois que o hospital fora
atingido diretamente. Depois de sua primeira licença em casa, ele voltou em
1940 para uma China em chamas, mas se recusou a deixar Wuchow quando os
japoneses invasores se aproximaram. Para apelos urgentes de sua fuga de Wuchow,
ele respondeu: "Ficarei enquanto puder servir."
O
médico missionário Robert Beddoe escreveu sobre um episódio angustiante:
"No
momento do segundo bombardeio severo do hospital, havia um paciente
desesperadamente doente no último andar. Ele não podia ser movido sem quase uma
morte certa. Wallace ficou ao lado da cama, confortando e tranquilizando o
paciente. Uma bomba atingiu a menos de 15 metros da cama, rasgando um buraco no
teto de concreto. Na providência de Deus, nem o paciente nem Wallace ficaram
feridos. Um dos funcionários, que estava quatro andares abaixo na época, me
disse que havia sido levantado várias polegadas pela concussão".
Finalmente,
em uma das grandes façanhas da história das missões na China, Wallace evacuou
todo o hospital em 1944, apenas alguns dias à frente das forças japonesas -
transportando pacientes, funcionários e equipamentos de barco centenas de
quilômetros rio acima. Lá eles cuidavam dos doentes e do sofrimento da região
circundante até que os japoneses que avançavam os forçaram a se mudar
novamente.
Wallace
e seu grupo de médicos enfrentaram dificuldades incríveis, mas voltaram a
Wuchow em 1945, quando a maré da guerra mudou. Sua descrição do retorno em uma
carta para sua irmã foi caracteristicamente breve:
"Querida
irmã: Wuchow. Amor, Bill"
Wallace
reparou o hospital Stout gravemente danificado e voltou ao trabalho. Ele quase
morreu de febre tifóide em 1948. Depois de se recuperar, continuou trabalhando
em Wuchow após a derrota comunista dos chineses nacionalistas em 1949 -
ganhando até o respeito relutante dos soldados comunistas enquanto tratava suas
feridas.
Mas
os missionários não eram mais bem-vindos na China, e o início da Guerra da
Coréia, em 1950, desencadeou uma intensa campanha de propaganda antiamericana.
A prisão de Wallace ocorreu em dezembro daquele ano, depois que as autoridades
locais "encontraram" uma arma debaixo do colchão durante uma busca e
o acusaram de ser um espião. Ele morreu na prisão menos de dois meses depois.
Mas
não foi sua morte solitária que definiu o heroísmo de Wallace. Foi a sua vida
cheia de amor.
Sim,
Bill Wallace "era um mártir", reconheceu a falecida Everley Hayes, a
enfermeira missionária que trabalhou com ele nos últimos anos e identificou seu
corpo.
"Muitos
pensam nos mártires como aquelas pessoas de rosto distante. Mas eu conhecia um
Dr. Wallace que estava muito interessado em tudo ao seu redor. Ele era um
mártir não porque morreu no serviço, mas porque se identificou tanto com o povo
chinês que considerou-se um deles. E eles o amavam. "
Após
a prisão de Wallace, um comissário convocou muitos cidadãos de Wuchow para uma
reunião pública e exigiu que eles avançassem para denunciar o missionário. Nem
uma única pessoa o fez. A única acusação que eles conseguiram fazer, refletiu
um missionário católico romano que conhecia Wallace, foi que "ele
continuou fazendo o bem".
Atualmente,
em um período não-heroico, muitos americanos estão olhando para trás com nova
admiração pelo que o jornalista Tom Brokaw chamou de "a maior
geração": os homens e mulheres que sofreram a Depressão e depois
aterrissaram sob fogo em praias estrangeiras para ajudar a derrotar os nazistas
e seus aliados.
Os
que sobreviveram chegaram em casa para construir vidas, famílias, uma nação.
Reticentes em reviver sua hora de terror e coragem quando tantos morreram, a
maioria desses veteranos vivos - quando pressionados - geralmente diz que
"fez o que tínhamos que fazer" e deixou por isso mesmo.
Ao
lado desses heróis calmos da guerra, considere o calmo Bill Wallace, do
Tennessee, um homem de paz que deu sua última medida completa de devoção para
curar corpos e almas em um canto isolado da China. Ele não tinha que fazer o
que fez. Ele fez isso porque queria. Os amigos chineses em Wuchow o
compreenderam, quando se arriscavam a ser punidos por colocar um monumento em
sua sepultura, marcada com estas palavras do apóstolo Paulo: "Para mim, o
viver é Cristo".
Os
chineses já haviam ouvido sermões antes, mas "em Bill Wallace começaram a ver um, e isso fez a diferença",
escreveu o historiador de missões Jesse Fletcher.
Numa
era de hype, o personagem fala infinitamente mais alto que as palavras. Dever,
compromisso, compaixão, humildade, coragem, obediência a Deus: se você estiver
procurando maneiras de compartilhar essas qualidades com seus filhos, dê-lhes
uma cópia da biografia clássica de Fletcher, "Bill Wallace da China"
(Broadman & Holman; no Brasil, temos o livro Fiel Até a Morte, publicado
pela UFMBB, e Combati o Bom Combate: A vida de Bill Wallace na China, da Jupec. Então ore pelos Bill Wallaces que Deus está levantando nesta
geração.
Seu
filho ou filha pode ser um deles.