terça-feira, 23 de agosto de 2022

A Escória da Sociedade Evangélica Brasileira do Século XXI


D. Botelho

 "Vocês já têm tudo o que querem! Já se tornaram ricos! Chegaram a ser reis — e sem nós! Como eu gostaria que vocês realmente fossem reis, para que nós também reinássemos com vocês! Porque me parece que Deus nos colocou a nós, os apóstolos, em último lugar, como condenados à morte. Temo-nos tornado um espetáculo para o mundo, tanto diante de anjos como de homens. Nós somos loucos por causa de Cristo, mas vocês são sensatos em Cristo! Nós somos fracos, mas vocês são fortes! Vocês são respeitados, mas nós somos desprezados!

Até agora estamos passando fome, sede e necessidade de roupas, estamos sendo tratados brutalmente, não temos residência certa e trabalhamos arduamente com nossas próprias mãos. Quando somos amaldiçoados, abençoamos; quando perseguidos, suportamos; quando caluniados, respondemos amavelmente. Até agora nos tornamos a escória da terra, o lixo do mundo". Apóstolo Paulo

Em termos sintéticos podemos afirmar com muita convicção que o missionário brasileiro transcultural é a escória da sociedade evangélica.

Neste momento de grande frustração, desilusão e decepção, desejamos tornar público o nosso desabafo, será que temos direito a isso?.

Cremos que seriam necessários mais apologistas para defender esta classe que é esquecida, desprezada, ignorada, menosprezada e por que não dizer que é até mesmo rejeitada.

Não nos foi implorado para fazer tal declaração, mas diante da crua realidade vista em nossa pátria, nesta conjuntura, há uma demanda intrínseca em nossas vidas que não pode se emudecer diante dos fatos aqui relatados.

É verdade que há alguns raros privilegiados, apoiados por igrejas e pastores sérios que amam a causa missionária.

Mas são exceção.

O que quero chamar a atenção aqui é para a maioria humilhada, sofrida, resignada e distinta categoria de milhares de missionários que, embora imprescindíveis para a expansão do reino de Deus na terra, hoje é desprezada e abandonada.

 

O que é um missionário transcultural?

 

É aquele que trabalha com outra cultura diferente da sua.

Ele não precisa ir para outro país para ser incluído em tal classificação, pode trabalhar com povos indígenas, que possui mais de 100 tribos sem nenhum obreiro, ou outras etnias: bolivianos, chineses, árabes, japoneses ou haitianos que moram aqui.

Ele não precisa aprender outra língua para ter tal ministério, pois pode trabalhar em Guiné Bissau, Angola, Moçambique ou Portugal, países que têm culturas totalmente diferentes da nossa.

Infelizmente, desvirtuaram o termo "missionário" nos dias de hoje no contexto brasileiro.

Missionário é o tele-evangelista, a esposa do pastor, o obreiro de obra social, o líder de alguma congregação ou de um grupo de oração.

Cremos que foi por isso que os missiólogos brasileiros cunharam um novo termo, "missionário transcultural", para definir a classe esquecida, menosprezada e rejeitada e que precisa do nosso amor.

Ele deve receber o nosso carinho e apoio tanto quando estão nos campos como quando retornam à pátria. Devemos recebê-lo com muito apreço em nossos lares e igrejas, pois a Bíblia diz que alguns sem saber receberam anjos.

Este grupo de servos dedicados tem pago um alto preço, pois deixa família, amigos, irmãos, língua, cultura e país para se embrenhar em lugares difíceis e inóspitos para levar a mensagem de esperança, alegria e salvação, até mesmo disponilizar a bíblia na língua do povo.

Eles podem e devem figurar na lista do escritor aos Hebreus que os inclui na classificação daqueles de quem o mundo não era digno deles.

 

Por que mencionamos e o classificamos como escória?

 

Por definição, escória é a bolha, borra ou resíduo áspero proveniente da combustão de certas matérias e que para nada servem a não ser lixo, portanto, a escória representa o lixo de uma sociedade.

Talvez você questione: não seria um exagero considerar o “missionário transcultural” como escória da sociedade evangélica brasileira?

Contra fatos não há argumentos, então vejamos alguns deles expostos:

 

1 – Raramente, os pais cristãos brasileiros, desejam para seus filhos a carreira ministerial de missionário, pois subsiste a ideia, segundo Tonica, uma catedrática de missões, de que o missionário é “mártir, mendigo e maluco”.

Poderíamos acrescentar ainda que muitos o consideram um ignorante. Alguns líderes contestam o investimento no projeto REGIÃO, que contempla a graduação e pós graduação universitária como estratégia para evangelizar os estudantes em países "restritos".

 

2 - Quando alguém escolhe a carreira ministerial, é enfaticamente desencorajado pela maioria dos pastores, amigos crentes e familiares. Imediatamente, os mais próximos mostram outras áreas onde ele possa servir, normalmente dentro da igreja local. Se ele persistir na visão transcultural não encontrará o apoio necessário para que possa prosseguir no ministério, isso ocasiona muitas desistências. Essa ideia é do tempo do Egito antigo onde o faraó disse que não deveria adorar aqui e quando o povo insistiu sair sua resposta foi que não deveria ir longe.

 

3 – Persiste a ideia de que o missionário é um ET ao escolher tal carreira, pois ele vai para os lugares que ocorrem desastres, fomes, pestes, desgraças, calamidade e onde o povo é oprimido. A maioria dos crentes foge de tais situações desconfortáveis. Há motivos para lhe ser impingido tal estereótipo, pois os desafios os motiva para ir aos lugares e situações mais perigosas, age como uma andorinha na expectativa de reverter os quadros tristes.

O apóstolo Paulo ao ver a fome que assolava a igreja na Judeia rodou o mundo da época para sanear tal situação, além de ir aos lugares mais difíceis e perigosos.

Jesus ao ver a multidão sofredora chorou! Esse sentimento de compaixão é inerente à vida do missionário.

 

4 - Os motivos para não investir no missionário são os mais diversos: alguns consideram a causa missionária como uma “loucura”; outros acham que o missionário é um “preguiçoso que não trabalha”; tem gente que acha que ser missionário é viver passeando devido a necessidade de se deslocar para diversos lugares levando a mensagem; há ainda os que questionam o fato de um missionário não pastorear igrejas, esquecem que ele é um desbravador ou pioneiro e que, muitas vezes, o pastoreio pode não ser a vontade de Deus para ele.

 

5 – Outra imagem persistente é a do missionário como um coitado a quem qualquer coisa serve e come qualquer coisa, aquele que ganha roupas e sapatos usados; que não pode possuir um carro novo e uma casa própria. Tal estigma contribui para justificar o não investimento em Missões. Muitos irmãos acreditam que o missionário não precisa de um bom sustento, pode passar fome e até morrer no campo, e não sentem nenhum remorso por pensar assim.

A realidade mostra que a média de investimento do crente brasileiro é de um vergonhoso valor de R$ 1,66 anual e que cerca de 99% da igreja brasileira não possui um missionário transcultural.

 

6 - Muitos pastores são sinceros e dizem que não querem que o missionário compartilhe suas experiências com a igreja, porque julgam o missionário como alguém em busca de dinheiro e não como alguém em busca de uma oportunidade para compartilhar o poder do Evangelho para salvar o pecador mais renitente.

 

7 - A prosperidade do Brasil, que está entre  uma das 10 maiores economia mundial, levou a maioria dos crentes a um “anestesiamento” a ponto de não querer ouvir os relatos dos campos. Um missionário na Indonésia, maior país muçulmano, com 768 línguas e culturas em 17.000 ilhas, nos disse que a maioria das pessoas lhe dá somente dois minutos para compartilhar suas experiências, mesmo sendo uma pessoa dinâmica e bem preparada.

Sabemos que o que tem motivado muitos crentes no momento é a marca do carro, o apartamento ou a casa a serem adquiridos; o curso a ser feito ou o lugar das próximas férias. A maioria dos evangélicos e líderes está tão centrada em si mesma que não se interessa nem em ouvir os relatos dos campos.

 

8 - O crescimento astronômico das igrejas no Brasil e a prosperidade da nação levaram a um aumento na arrecadação das mega igrejas. Esta grande entrada de dinheiro nas igrejas leva alguns pastores presidentes a receber valores abusivos de 200 salários mínimos mensais, adquirir carros importados, mansões, fazendas, jatinhos e helicópteros.

Será que isso ocorreu por causa da grande influência da "Teologia da Prosperidade" e do pensamento egoísta que não contempla o coração generoso de servir ao Senhor com os bens que foram entregues por Ele para expansão do Seu Reino na terra e abençoar os menos privilegiados?

 

9 - O quadro econômico atual mostra que, em alguns anos, o valor do salário mínimo, saltou de US$ 75 para US$ 200, mas que antes do aumento chegou US$ 300. Isso poderia ter levado a quadruplicar o número de missionários, mas não foi o que ocorreu.

As estatísticas revelam que no final dos anos 80 havia um crescimento de 12,8% no envio de missionários, mas que em meados da década passada esse percentual caiu para 3,5%.

Qual é a realidade no momento?

Pouquíssimas igrejas sustentam integralmente um missionário, a maioria depende do apoio de diversas igrejas e pessoas, o que ocasiona um outro problema: quando volta do campo para descansar, o missionário ainda tem o trabalho estafante de visitar a todos para manter o sustento.

Alguns chegam a ter o sustento cortado quando estão de volta à sua pátria. Até líderes de missões super dimensionaram as estatísticas acrescentando na lista de missionários transculturais os que trabalham no sertão, ribeirinhos e outros não transculturais. Uma lástima!

 

10 - Para cada grupo de 100.000 crentes brasileiros temos um missionário transcultural na Janela 10-40, região onde se encontra 95% dos povos não alcançados da terra. 99% das igrejas no Brasil não tem um missionário transcultural.

 

O contraste é visto na igreja moraviana do século XVIII, que não tinha os mesmos recursos financeiros, informações e meios tecnológicos como avião, internet, TV, carros, computadores, mas havia um missionário para cada 12 membros.

O que os diferenciava é que possuíam uma paixão e compaixão inatas.

Eles chegaram aos cinco continentes e o exemplo deles nunca mais foi repetido na história.

As palavras a seguir foram proferidas pelo apóstolo Paulo em continuação ao texto bíblico inicial registrado em 1 Corinthians capítulo quatro da NVI.

 

"Não estou tentando envergonhá-los ao escrever estas coisas, mas procuro adverti-los, como a meus filhos amados".

 

Que o Senhor ajude a igreja e os líderes a reconhecer e valorizar o ministério transcultural! Que aqueles que verdadeiramente amam ao Senhor possam investir na formação, envio e cuidado dos missionários!

Que o estigma aqui exposto possa ser mudado para que o término da tarefa da evangelização mundial possa ser realizado ainda nesta geração!

 

No amor do Senhor das nações,

D. Botelho

HORIZONTES AMÉRICA LATINA - www.mhorizontes.org.br 

sexta-feira, 12 de agosto de 2022

Cooperação e Missões - Barbara Burns

 

Barbara Helen Burns - https://barbaraburns.com.br/


II Congresso Brasileiro de Missões

9-13 de novembro de 1998

Perguntas Para Discussão: 1) Por que falar de cooperação? 2) Quais as desvantagens de Cooperação? 3) Quais as vantagens?

Introdução

  • “O futuro de missões está baseado na formação de redes internacionais mais do que em organizações multinacionais. Redes edificam pessoas, não programas; enfatizam parceria e espírito de servo, não hieraquia; edifica a igreja local, não prejudica-a” (Paul Hiebert, em Kraakavik e Welliver, sd, p. xiii)
  • “Cooperação Interdependente”
  • Como nunca na história da Igreja Evangélica no Brasil havia cooperação como dentro do movimento missionário (consultas, conversas, amizade, projetos).

Por que Cooperar em Missões

  • Razões Bíblicas (Ef 4 e 2 Fp 2, Rm 12, 1 Cor 12, Salmo 133, João 17)
  • Mais riqueza de idéias – criatividade
  • Cada um pode enfatizar o trabalho na área forte, no dom dele
  • Compartilhar recursos
  • Nenhuma organização pode fazer tudo. Preenchimento da faltas dos outros
  • Menos erros – um corrige o outro (Provérbios)
  • Evita duplicação e competição
  • É a razão da AMTB, APMB e ACMI – construção de um forum onde há ajuda mútua e troca de idéias e recursos. APMB: apostilas, idéias, crescimento do conhecimento, artigos, consultas)
  •  Exemplos:

1. Mongólia – 100 anos atrás 50 missionários foram martirizados. Em 1991 tinha 2 – 3 agências trabalhando. Hoje há 35 ministérios de mais que 10 nações. Já publicaram o NT, traduziram e mostraram o filme Jesus para milhares, há rádio e televisão e 10-12,000 pessoas assistindo cultos em mais que 30 igrejas evangélicas (Phil Butler, 1996:29).

2. Ahmed, no norte da África, ouviu programa de rádio. Escreveu, pedindo curso por correspondência. Outra missão foi alertada, e começou enviar o material. Eles alertaram outra missão, que enviou alguem pessoalmente para levar Ahmed à salvação. Depois Ahmed foi para uma escola bíblica noturna em uma outra cidade, de outra missão ainda, e agora está trabalhando  em uma igreja começada por uma ainda outra missão! (Phil Butler, 1993:2)

Com Quem Cooperar em Missões?

No Brasil

1. Igrejas

1.1 Igreja – Igreja: precisa de reunir recursos para o sustento; Conferências (ex. 1ª de Santo André); PAM;

1.2 Igrejas – Escolas: No preparo, o básico acontece na igreja, mas a escola é necessária para um contacto mais profundo e mais abrangente da teologia e da especialização em missiologia.

1.3 Igrejas – Agências: Se cada igreja enviasse seus próprios missionários, seria uma confusão só! A igreja necessita do conhecimento e das ferramentas da Agência em l) saber mais sobre qualificações do missionário, 2) burocracia do envio e 3) coordenação e supervisão do trabalho no campo. A igreja deve enviar pessoas adequadas – sem mentir no formulário ou nas conversas sobre a pessoa!

2. Escolas

2.1 Escolas – Escolas: podem montar programas em que cada uma oferece uma especialidade. Pode oferecer cursos de reciclagem e especialização de curto prazo. Pode enviar professores para outras escolas (no campo também) para ajudar. Pode deixar o seu material didático disponível para outras escolas e professores.

2.2 Escolas – Igrejas: A escola necessita da igreja. Somente a igreja pode trabalhar o caráter, o ministério, o desenvolvimento dos dons da pessoa. Deve ter um constante contato com as igrejas dos alunos, para dar relatórios, planejar currículo e experiências práticas,

2.3 Escolas – Agências: A escola deve deixar espaço para as agências poderem apresentar seus desafios. Devem consultar as agências para decisões curriculares e objetivos e direções no preparo. A escola deve ter em mente a finalidade do treinamento – o campo através da agência.

3. Agências

3.1 Agência – Igreja: A agência nunca deve se desligar da igreja. O candidato e a agência precisam da base eclesiástica e da comunidade e apoio e amor da igreja. Aceitação do candidato deve ter pleno apoio da igreja local. Decisões sobre os candidatos e os missionários no campo devem ser feitas em conjunto, não isoladas. A agência deve ajudar a igreja a entender a realidade e as necessidades do campo. Necessita de diálogo, conhecimento pessoal, aperfeiçoamento.

3.2  Agência – Escola: A agência deve consultar a escola sobre o nível do candidato. A agência não deve tentar treinar o candidato sozinha. Há muitos recursos de estudo teológico e missiológico no Brasil para cada agência missionária tentar fazer tudo isoladamente! Ou enviar pessoas sem nenhum estudo formal… Deve abrir oportunidades de estágios.

3.3  Agência – Agência: É importante, pois nossas agências não são tão desenvolvidas ainda para serem independentes. Devemos ter projetos em comum, alcançar povos com estratégias cooperativas, ajudar os missionários de outras agências com visitas e ministério pastoral e socorro em casos de emergência.

No Campo

1. Exemplo negativo da Rússia

2. Do ponto de vista do nacional, quando cada um faz separado.

3. Muitas possibilidades: Missão – Igreja Nacional; Missionários – Nacionais; Várias agências com projetos em comum; Missionários de várias agências (isto acontece mesmo..); Agências internacionais, com pessoas trabalhando juntas que vêm de muitas nacionalidades. A necessidade de identificação e contextualização nos relacionamentos e trabalho.

4. Servir os outros

5. Tudo isso requer HUMILDADE e ESPÍRITO DE SERVO.

 Como Cooperar em Missões: pontos práticos

1. Dicas dadas em página xiii em Partners  (veja Bibliografia)

2. Reuniões

3. Textos, currículos, programas, descobertas

4. Recursos financeiros

Critérios de Cooperação

1. Não é cooperação apenas para dizer que coopera.

2. Exige planejamento e esforço

3. Deve ter os mesmos alvos – um projeto em comum.

4. Os alvos devem ser realistas.

5. Devem ser biblicamente compatíveis (vamos mandar ou apoiar pessoas ou projetos que não vão contribuir para o Reino de Deus?)

6. Não é para uma organização “engolir” outra, mas fortalecer uma a outra.

7. Não deve minimizar ou ignorar diferenças.

Portanto é necessário:

1. Alvos Definidos

2. Organização e administração planejado e concordado

3. Papeis de cada parte definidos

4. Humildade e apoio mútuo

Bibliografia

BURNS, Barbara. “O Desenvolvimento do Currículo Missiológico Brasileiro.” Capacitando para Missões Transculturais, Nº 6, 1998, pp 9-10.

BUTLER, Phil. “An Open Letter to North America’s Mission Agency Leadership” e “Do Strategic Partnerships Really Make a Difference: Case Studies in Partnership With Some Remarkable Outcomes”. Mission Frontiers,  v. 18, Nº 9-10 (September-October 1996) pp. 26-30.


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