O Clamor do
Indígena
(Alegoria: um
jovem, vestido de índio, com arco e flecha. Um fundo de floresta. A lua boia no
céu. Um toque surdo a bombordo, ao longe.)
- Tupã! Tupã! Deus do trovão, do raio,
das chuvas e do fogo que devora,
ouve este meu clamor da alma nascido,
dá-me do teu amor que revigora!
Nas selvas nascido,
por males ferido,
suplico a Tupã,
das noites serenas,
em horas amenas,
ao pôr da manhã!
Nasci na taba, ao toque surdo e triste
da gaita e do boré. Rompia ao longe
a fria madrugada. Espesso véu
cobria a terra, como um véu de monge!
A lua, branca, era um espelho argênteo
refletindo, na face, aquele lago...
A graúna cantava no arvoredo,
madura fruta dava o doce bago.
O céu – era um pálio aberto,
a mata – um vasto deserto
onde a areia era – a folhagem!
E a brisa, fria e gemente,
cantando um hino dolente,
tinha por harpa – a ramagem!
Nasci assim, nessa hora um tanto aziaga,
nessa hora, quando o grito dos selvagens,
jogando a tora, pelo espaço troava,
um tom álacre dando as mil paisagens!
E agora, sem Deus,
chorando a desdita,
me fico a cismar...
Quem dera, quem dera,
a História de Cristo
poder escutar!
Ouvi falar de um Homem, certa vez,
lá para as bandas da Judéia antiga,
que morrera na cruz para livrar-nos
de tristezas, de dores e fadiga!
E nunca mais me falaram
do Amor desse Homem Bendito,
- tão grande como o Infinito...
Oh! nunca mais me contaram!
Morrer na ignorância,
que vindo da infância
irá até a morte!
Ai, que sorte ingrata...
Tanta dor me mata,
e eu ainda tão forte!
Se aqueles homens brancos da cidade
mandassem nos contar a bela História
- somente para nós...
Conhecemos, apenas, campos, matas,
pescarias, caçadas, danças, guerras,
as nascentes de rios caudalosos,
até a sua foz!
Mas, espera, índio sedento!
Tupã ouviu teu lamento,
brancos mandou para cá...
Eles vem trazer a Luz
do Homem que morreu na cruz
o Perdão a todos dá!
Eles vêm! Porém, se um dia
deixando a sua terra,
o índio triste, chorando,
pouco a pouco vai voltando
às danças, ao crime, à guerra!
O índio é valente,
feroz, mas temente
ao grande Tupã!
Tem alma que fala...
da morte salvá-la
não é cousa vã!
Ó, branco, tem pena!
O índio te acena
com o seu coração!
Ó branco, ouve o brado
de quem, sendo escravo,
também é irmão!
E quando a morte vier buscar na selva densa
a alma do índio cansado, após a luta intensa
da vida laboriosa,
por certo, ele que creu na doce e bela História
do Salvador – terá por recompensa a Glória
que todo o justo goza!
Bendirá, para sempre, o esforço e o amor ingente
de quem mandou e foi levar alegremente
às selvas o Clarão!
Bendirá quem deixou o conforto e a cidade
para levar-lhe a Luz, a Paz e a Liberdade,
ao índio dando a Mão!
Pr. Alfredo Mignac
No livro Horas Vibrantes (1939)
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