Ampliar e/ou melhorar a capacidade de uma
língua de dizer algo é ampliar a própria capacidade intelectiva de seus
usuários; novos conceitos e configurações técnicas, científicas e
sócio-organizacionais (traduzindo: novas coisas, processos e fenômenos)
demandam termos apropriados para sua eficaz sedimentação no universo reflexivo
seja de um idioma, seja de uma disciplina em particular, ao enriquecer seu
arcabouço epistemológico.
Em língua portuguesa, possuímos métodos
diversos para a criação de palavras, métodos sabatinados nos ensinos
Fundamental e Médio, como o leitor há de recordar: os métodos capitais da
derivação e da composição, mas ainda as onomatopeias, as reduções e os métodos
que foram mais explorados neste nosso exercício criativo: os hibridismos (a
união de elementos de idiomas diferentes – em nosso idioma, geralmente do grego
e do latim) e os neologismos, que são palavras criadas para suprir uma
necessidade comunicacional em contextos específicos.
Um aviso aos navegantes: O texto aqui
apresentado, claro está, é chancelado pela ludicidade e em muito também pela
informalidade: o purista, antes que se ofenda, poderá considerá-lo apenas uma
“brincadeira” ou no máximo um exercício despretensioso de reflexão.
É provável que muitos desses termos jamais tenham sido “usados”. Quanto à necessidade de engendrá-los,
alguns me pareceram interessantes; outros, verdadeiramente úteis; outros
ainda constam apenas como exercício de reflexão, como já dito. Vamos lá?
Apomissional: Apo, designativo
de grande, superior (apo, apóstolo, apocalipse, apologia). Grande ideia ou ação
em termos de alcance e relevância missionárias. Exemplo de ato apomissional:
Distribuição de um milhão de Bíblias pela Portas Abertas na China (Projeto
Pérola); impacto geral da Conferência de Lausanne. Exemplo de conceito
apomissional: o conceito de Janela 10/40, proposto por Luis Bush.
Cadeia missiotrófica: Trofé, comida,
alimentação. Uma apropriação do termo ecológico cadeia trófica: “Cadeia
alimentar” ou pirâmide sistêmica que representa a forma de sustentação da ação
missionária considerada em relação a determinado indivíduo, organização, lugar,
tempo, cultura. Um exemplo da cadeia missiotrófica tipicamente brasileira:
Missionário é treinado com financiamento dividido entre recursos próprios, de
sua igreja local, de uma agência missionária que mantém a instituição de
treinamento; enviado para o campo, sobrevive em geral de ofertas de parentes e
de sua igreja local. Pode ainda contar com ofertantes perenes ou esporádicos,
de outras igrejas, cooptados através de visitas a estas igrejas e indivíduos, da
divulgação em redes sociais etc. Ilustrativamente, comparar com a cadeia
missiotrófica dos Irmãos Morávios: Indivíduo partia em missão munido de poucos
recursos, e em geral jamais recebia ajuda posterior de seus enviadores.
A expressão poderia ainda referir o estudo da
estrutura de sustentação e propagação do evangelho em culturas “exóticas” em
relação aos nossos padrões ocidentais.
Cristão conectivo (igreja conectiva,
missão conectiva): Pessoa ou instituição que, em prol do objetivo maior cristão
que é levar o conhecimento de Cristo a todos os viventes, trabalha em profunda
sintonia e liberalismo com outros cristãos e organizações, muitas vezes de
inclinação denominacional e/ou teológica diferente da sua. Não se trata
simplesmente do ecumênico, tanto no bom quanto no mau sentido que este termo
carrega; é uma superação prática deste estágio, rumo a uma operacionalidade
eclesial focada na ou demandada pela urgência missionária.
Cristobstar: Interpor, ser,
promover obstáculos à propagação do conhecimento de Cristo (evangelização). Ex.:
O governo saudita cristobstou nossos esforços. O governo chinês é o maior
cristobstáculo asiático. Uma variação do conceito seria cristobstruir.
Ex.: O direcionamento dos recursos da igreja para a aquisição da guitarra
Fender é uma verdadeira cristobstrução.
Eklesioeirinilatria: Este termo quase
cacofônico dá conta de um fenômeno que corporifica uma terrível contradição: ekklesia
é o termo que em grego refere a “chamados para fora”; eirini é paz; latria
é adoração. Assim, o termo refere o conjunto de “chamados para fora” que ama,
adora estar “dentro”: na segurança da vida comunal da igreja, entre iguais, ou
seja, em paz – ao contrário de lançar-se ao encontro do outro e à oposição que
todo fiel de Cristo encontrará em sua interface com o mundo caído; patologia da
pessoa ou instituição que se recusa a evangelizar e empenhar-se nos muitos
processos que a ela conduzem. Horror ou desprezo pelo mundo que faz calar o
amor do qual o Cordeiro o fez digno; medo cristão do mundo que supera a coragem
que, como já mortos (e, logo, impossíveis de matar) temos ou deveríamos ter em
Cristo. Adoração ou dependência viciosa da “paz das quatro paredes”.
Endoekklesia / endoeclesia: Endo, dentro.
Igreja voltada para dentro; contradição em termos. Endoeclesismo: Relacionada
ao termo anterior.
Etnópolis, etnópole: Etno, raça,
etnia; pólis, cidade. Cidade polarizadora dentro de uma cultura, país ou
região (regional, nacional, continental, mundial) que reúne, dentre todas de
seu conjunto, a maior confluência de povos (etnias) diferentes. Ex.: Nova
Iorque é a maior etnópole do mundo. São Paulo, por sua vez, reúne a maior
variedade de povos diferentes dentro do Brasil. Você saberia identificar a
etnópole de seu estado? Nem sempre é a capital. Remete indiretamente à
estratégia paulina de plantar igrejas em grandes centros do helenismo, para com
isso facilitar a propagação do evangelho.
Exomissiologia: Exo, fora. Acredite,
há quem creia que existam formas de vida, e inteligentes, habitando em outros
planetas. A Bíblia não nega, mas também não afirma e mesmo não fala nada sobre
isso (embora há quem utilize o texto de João 10.16 para considerar tal
possibilidade). Agora, imagine a questão. Seres inteligentes, em suposição igualmente
caídos, personagens de culturas e processos outros que não os que nós
vivenciamos, e eles também necessitados de re-ligação com o Criador, através da
ponte Jesus Cristo. Que corpo fantástico de conhecimentos seriam necessários
para que pudéssemos levar o evangelho a tais seres? Esta é a função da
exomissiologia. Mas ei, este termo não é meu, já existe e há até uma tese de
mestrado sobre o tema (HOFFMANN, 2004). Fascinante, não?
Mas, agora deixe-me ir além. E se não formos
nós os emissários (transmissores), mas sim os receptores tanto de
um contato com alguma outra civilização planetária, quanto com uma nova (ou
nova faceta da) revelação (não confundir com um novo evangelho, que é anátema)
que eles nos tragam acerca da obra de Cristo? Como lidar com esse aporte? Como
debater, negar, avaliar, contextualizar? Uma ciência ou disciplina à parte se
faria necessária, um novo braço ou ramo da (exo)missiologia, portadora de um
novo nome exatamente para diferenciar epistemologicamente os estudos: uma xenoteologia
e, porque não, uma xenomissiologia. Pois em grego xeno
significa estrangeiro, mas também, convidado; logo, alguém que vem a
nós.
Keryssofobia: Kerisso,
proclamar, anunciar, tornar conhecido, e fobia, medo. Medo do chamado. Após
a percepção, por parte do indivíduo (percepção que por vezes dá-se até mesmo por
métodos sobrenaturais), de que Deus o está chamado para a ação missionária, um
misto de terror e desespero toma conta do mesmo, que não se imagina nem capaz
de cumprir o chamado, nem desejoso de abandonar seu modo de vida atual. Aquele
que já viu essa rejeição fóbica atuando num indivíduo em seus níveis extremos,
percebe que ela pode aparentar ou assemelhar-se mesmo a uma patologia
psicológica.
Keryssotomia: Kerisso,
proclamar, anunciar, tornar conhecido, e tomia, cortar. Corte,
interrupção ou impedimento na obra de proclamação do evangelho. Quebra da
(cadeia de) proclamação.
Mazetnia: Mazi, junto; etnia,
povo. Estar junto a uma etnia; etnia de adoção. Emprega-se para aquela pessoa
que recebeu/percebeu um chamado especial para (trabalhar com, interceder, amar)
determinado povo (etnos). Ex.: “Os ianomâmis são minha mazetnia”.
Missioastenia: Astenia,
perda ou diminuição da força física. Debilidade (após eventual período de
sucesso ou regularidade) de um indivíduo, uma organização, uma cultura ou mesmo
toda uma era no seu desempenho missionário.
Missiocultura: Cultura, clima,
atmosfera, comovisão (de pessoa ou grupo) centrada na Missio Dei. Ex.: “Aquela
igreja vive em missiocultura”.
Missiofagia: Fagia, comer. Ação
de (re)direcionar para outros propósitos (ou quase que literalmente
alimentar-se d)os recursos (financeiros, humanos e espirituais) que Deus
providenciou para serem investidos em MISSÕES. Ex.: “Aquele pastor é um
missiófago”.
Missiolaetaria: Uma espécie de
alegria, de contentamento no Espírito, ocasionada exclusivamente pelo
cumprimento da missão; aquela conhecida e simples satisfação de “missão
cumprida”, acessível a qualquer ser humano, mas aqui potencializada no
indivíduo cristão pelo Espírito Santo; é uma alegria sobrenatural, e traz
consigo temor e tremor; uma paz associada a um aumento da certeza, de fazer
parte dos processos maiores e globais (universais) de Deus, mesmo em ação no
mínimo, no local. Uma alegria eu diria quase sabática, pelo descanso
equalizador que ela acarreta; um contrito, pequeno, “civilizado” êxtase.
Singularidade Tav: Tav, Taf,
última letra do alfabeto hebraico. Em filosofia, em física e em outras áreas,
alguns eventos-mestres são chamados de ‘singularidade’. Por exemplo, temos a
hipótese da ‘Singularidade tecnológica’: o momento em que a inteligência
artificial (IA), atingindo estado superior, autoreplicável, autoaperfeiçoável,
ultrapassará o que é humano, nos tornando não apenas obsoletos, mas
eventualmente dispensáveis (futuro discutido em filmes como Exterminador do
Futuro e Matrix).
Agora me diga: você já imaginou o que pode
acontecer no momento exato em que o último povo da Terra (não pela nossa incerta
contagem humana, mas pela de Deus) for alcançado? Aquele momento exato e quase
mágico em que a Grande Comissão, aos olhos de Cristo o Comissionador,
for finalmente concluída? Tal evento merece com certeza o epíteto de singularidade.
Como nomear tal singularidade? Me pareceu por bem utilizar a última letra do
alfabeto hebraico. Você poderia propor, “por que não uma Singularidade Ômega,
já que Ele o Cristo é o Alfa e o Ômega?”. A razão é que tal terminologia já
existe em ciência (SCHMIDHUBER, 2006, baseado em CHARDIN, 1969),
designando outro fenômeno.
Xenomissiologia – Ver
Exomissiologia.
Referências:
CHARDIN,
Teilhard. The Future of Man. New York: Perennial, 1969.
HOFFMANN,
Thomas. Exomissiology: The Launching of Exotheology. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/229646070_Exomissiology_The_Launching_of_Exotheology
SCHMIDHUBER,
Juergen. Website do autor: http://people.idsia.ch/~juergen/
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Sammis Reachers - Licenciado em Geografia, com pós graduações em Metodologia do Ensino e Gestão Escolar, é professor, escritor, promotor missionário e editor de recursos vários para servir aos esforços de conscientização e de mobilização missionárias.
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