Russell SheddIntrodução A Igreja é o agente de Deus no mundo para cumprir a Sua vontade. Essa vontade se resume em sua missão. Quando se fala de Igreja, trata-se de todos os salvos que pertencem ao Corpo vivo de Cristo, os que pelo poder do Espírito Santo foram regenerados e incorporados nesse único Corpo de Cristo na terra (1 Co 12.12,13). Falar da natureza missionária da Igreja significa falar da responsabilidade que Deus passou para Seus escolhidos. Ficará evidente a natureza missionária desse povo sempre que ela fica orientada pela Palavra inspirada por Deus. Não é por raciocínio humano que se descobre essa natureza missionária. H. Kraemer escreveu em, The Christian Message in a NonChristian World, 1938, “A igreja...unicamente de todas as instituições no mundo é fundada numa comissão divina”.
I. A Natureza Missionária da Igreja tem sua Fonte, Modelo e continuação na Missão de Jesus Cristo.Jesus Cristo Veio para Revelar Deus aos Cegos e IgnorantesJoão fala claramente que a encarnação da Palavra eterna ocorreu para tornar Deus conhecido (Jo 1.18). A revelação do invisível Senhor soberano, Criador de todas as coisas, foi patente na pessoa e obra de Jesus de Nazaré. O Deus Unigênito trouxe a glória real do Deus único e a fez brilhar em Sua vida e palavras. João, um dos Seus seguidores, comentou: “Aquele que é a Palavra tornou-se carne e viveu entre nós. Vimos a sua glória, glória como do Unigênito vindo do Pai, cheio de graça e verdade”(Jo 1.14).
Para Filipe que queria ver o Pai, Jesus respondeu, “Quem me vê, vê o Pai...você não crê que eu estou no Pai e que o Pai está em mim? As palavras que eu lhe digo não são apenas minhas. Ao contrário, o Pai que vive em mim, está realizando a sua obra” (Jo 14. 9,10NVI).
Na Sua oração sacerdotal, Jesus declarou, “Eu te glorifiquei na terra, completando a obra que me deste para fazer...revelei teu nome àqueles que do mundo me deste. Eles eram teus: tu os deste a mim, e eles têm obedecido à tua palavra”(Jo 17.4, 6).
Ver a Jesus, portanto, e aceitar Sua missão como a revelação genuína e única do Pai, significa receber vida eterna. Jesus recebeu autoridade sobre toda a humanidade para conceder vida eterna aos que o Pai lhe deu. Essa vida é explicada em termos de “conhecer o único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem ele enviou” (Jo 17.3). Por isso, João escreveu seu evangelho, para que os leitores creiam que Jesus é o Cristo, o filho de Deus e, crendo, tenham vida em seu nome”(Jo 20.31). Em o evangelho de João, crer, ver e conhecer são termos sinônimos no que diz respeito à vida espiritual. A cegueira imposta pelo “deus” deste mundo e ignorância espiritual são vencidos pelo relacionamento com Jesus Cristo marcado pela fé e amor.
Jesus Cristo Veio para Salvar os Perdidos Os outros evangelistas descrevem a missão de Jesus Cristo em termos de salvação. O nome de Jesus, que o anjo mandou José dar ao filho de Maria logo depois de nascer, significa, Jahweh salva, “...por que ele salvará seu povo dos seus pecados”. Salvação quer dizer “livramento”, “libertação” ou “cura”, como podemos notar em Mc 5.28. Aí a mulher com a hemorragia pensava, “Se eu tão-somente tocar em seu manto, ficarei curada”. A palavra de Jesus para ela foi, “filha, tua fé te salvou” (ou “curou” v. 34). Lucas encerra sua narrativa sobre Zaqueu, chefe dos publicanos com a declaração abrangente: “Pois o Filho do homem veio buscar e salvar o que estava perdido” (19.10; Mc 10.45). Claramente, Jesus teve a missão de salvar pecadores.
Jesus leu Isaías 61 na sinagoga de Nazaré, o que Lhe deu uma abertura para declarar Sua missão em termos de pregar boas novas aos pobres, proclamar liberdade aos presos, recuperar a vista aos cegos e libertar os oprimidos. Anunciava a chegada do ano da graça do Senhor (Lc 4. 18,19). A missão de Cristo, confirmada neste texto, mostra que salvação se direciona em favor dos necessitados e oprimidos.
Examine os ensinamentos, inclusive as parábolas. Jesus deixou bem claro que esta salvação não idealizava uma rebelião contra o Império Romano, visando liberdade política, mas uma mudança mais duradoura, mais profunda e espiritual. Seria nada menos do que perdão dos pecados e afastamento da ira divina. Houve uma ocasião em que Jesus curou um paralítico que quatro amigos trouxeram e baixaram, com sua maca, numa abertura no telhado. A este Jesus declarou, “Filho, os seus pecados estão perdoados” (Mc 2. 5). O Reino de Deus que Jesus encarnava em Sua própria pessoa incluía a cura para o corpo e perdão para a alma. Onde quer que Jesus andava, Ele demonstrava que o Reino que se manifestava em Sua pessoa transformava corpos, mas principalmente, almas.
Refutou a acusação de blasfêmia por parte dos doutores da lei afirmando que o Filho do homem tem na terra autoridade para perdoar pecados. Qual seria a base pela qual o justo representante de Deus poderia declarar o perdão dos pecados? Evidentemente, foi no fato que Jesus cumpria a missão do Servo Sofredor. Que outra maneira haveria para entender Marcos 10.45, : "...nem mesmo o Filho do homem veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos”. O Servo, segundo a profecia de Isaías, revela que, “... embora o Senhor tenha feito a vida dele uma oferta pela culpa, ele verá sua prole e prolongará seus dias” (Is 53. 16). Isaías profetizou tanto a morte expiatória de Jesus, o Servo, bem como Sua ressurreição. A transformação do corpo de Jesus na ressurreição e a aceitação do sacrifício pelos pecados dos que nEle confiam, revela novamente que a missão de Jesus foi de salvar.
A missão de Cristo também deu muita importância ao ensino dos Seus discípulos. A escola de Jesus tratou o caráter do discípulo no Sermão do Monte, a natureza e centralidade do Reino e da graça de Deus nas parábolas, a necessidade de arrependimento, negar-se a si mesmo, carregar a cruz e seguir a Jesus para alcançar a vida. O Mestre não Se omitiu de ensinar pela prática, enviando os discípulos na missão de anunciar a proximidade do Reino, expulsar demônios,curar os enfermos e viver pela fé. Outros temas ocasionais surgem tais como o divórcio, a humildade (quando lavou os pés dos discípulos), a vinda e missão do outro Paracletos que os guiaria à toda a verdade. A centralidade do ensinamento na missão de Jesus pode ser vista na exigência que acrescentou à grande comissão – ensinar futuros discípulos a obedecer tudo que Jesus ensinara aos seus discípulos.
A Fundação da Igreja Mateus relata que Jesus entendeu que sua missão incluiria a construção do templo, não feito com mãos, nem com pedra e madeira, mas na ressurreição do Seu corpo no terceiro dia (Jo 2.19). Pessoas que confessam sua lealdade para com Sua pessoa seriam incorporados em Sua pessoa. Declarou para Pedro que Ele (e certamente os apóstolos e profetas) edificaria Sua Igreja sobre “esta pedra” (Mt 16. 18) e que “as portas de Hades (a morte) não poderão vencê-la”, isto é, que Jesus venceria a morte! Não seria justamente essa “igreja” que Isaías previu ao falar da ressurreição do Servo e sobre a prole que ele verá ( 53.10)?
A pedra deveria ser a confissão de Pedro que declararia quem é Jesus, o Messias prometido nas Escrituras, o filho encarnado de Deus por meio de quem a salvação viria, e conseqüentemente, participação no Seu povo. As chaves do Reino que Jesus deu para Pedro, passaram para ele a autoridade de ligar e desligar o que já estava ligado ou desligado no céu, isto é, para anunciar as boas novas do Reino em lugar de Jesus, tal como alguém recebe as chaves para ocupar a casa do dono. Jesus tinha prometido quando chamou Seus primeiros discípulos que Ele os faria pescadores de homens (Mt 4.18,19). Estes homens seriam a matéria prima na construção da igreja que Jesus prometeu erguer.
A Igreja pertence a Cristo, uma verdade confirmada pela frase “minha igreja”, que, sendo descrito por Jesus no número singular, prova claramente que ela é uma e não muitas. Denominações evangélicas não são várias “igrejas” mas divisões e manifestações da igreja única.
Ele usaria homens falhos e fracos como Pedro para serem os construtores. Paulo também escreveu que Deus tinha lhe dado a graça de ser um “sábio construtor” ( gr. arquitecton). Lançou o fundamento que não era outro senão Cristo, por isso, todos devem ter maior cuidado como constroem. Em Efésios 2.20 Paulo acrescenta que a Igreja, formada dos santos, membros da família de Deus, “são edificados sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas, tendo Jesus Cristo como pedra angular”. Não deve haver dúvida alguma que a Igreja tem Jesus Cristo como o alicerce e os apóstolos formam a primeira fileira de pedras que deram para a Igreja a base que a segura nos ensinamentos e escritos deles. Sem os escritos dos apóstolos e profetas não teríamos o Novo Testamento. E sem as Escrituras inspiradas, que chance haveria de manter a certeza sobre o caminho da salvação e a missão de Jesus na terra hoje? Que missão teria a Igreja sem as Escrituras da Nova Aliança?
Acerca do templo de Herodes, uma das sete maravilhas do mundo antigo, Jesus disse, “Destruam este templo, e eu o levantarei em três dias”. Mas o templo de que Ele falava não foi composto de pedras físicas, mas pedras vivas, já que esta Casa do Pai seria levantada sem mãos. Pedro entendeu que, chegando a Jesus, a “pedra viva”, as “pedras vivas”, isto é crentes, seriam edificados numa casa espiritual (1 Pe 2.4,5). A missão de Jesus foi de fornecer, através de Sua morte expiatória e ressurreição, as condições pelas quais a “casa” de Deus seria erguida. A antiga promessa que Deus habitaria no meio do Seu povo se cumpriria na medida que os membros cumprem seu papel.
Pedro cita outros títulos, vindos do Antigo Testamento, para descrever a igreja e sua missão: “geração eleita, sacerdócio real, nação santa, povo exclusivo de Deus para anunciar as grandezas daquele que os chamou das trevas para a sua maravilhosa luz”(1 Pe 2.9). A formação desta nova geração e povo santo, distinta de Israel segundo a carne, tem a missão de proclamar as virtudes ou grandezas daquEle que nos tirou das trevas e nos iluminou com a luz celestial. Assim a igreja se construirá, tornando-se uma casa de Deus, bela e completa.
Jesus não somente descreve a Sua igreja como o templo que precisava ser construído por Ele, mas também refere a um rebanho que ainda faltava ovelhas suas. Em Suas próprias palavras, Ele disse, “...dou a minha vida pelas ovelhas. Tenho outras ovelhas que não são deste aprisco. É necessário que eu as conduza também. Elas ouvirão a minha voz, e haverá um só rebanho e um só pastor”(Jo 10. 15,16NVI). O Senhor Se referia aos gentios quando falou das ovelhas ainda não arrebanhadas no aprisco. As nações, uma vez alcançadas pela graça salvadora, estariam sendo incluídas dentro do único povo de Deus. Com a vinda do Espírito Santo com poder, os discípulos testemunharão não somente em Jerusalém, Judéia e Samaria, mas também até os confins da terra. Estarão cumprindo a promessa feita por Deus a Abraão quando declarou que por meio dele, isto é, pela descendência dele, todas as “famílias da terra” seriam abençoadas (Gn 12.3). Paulo escreveu que a chegada da plenitude dos gentios é crucial para o programa escatológico que inclui a salvação de todo Israel (Rm 11.25,26).
Pedro entendeu a nova realidade da missão da igreja quando cita Amós no Concílio de Jerusalém, “Depois disso voltarei e reconstruirei a tenda caída de Davi. Reedificarei as suas ruínas, e a restaurarei, para que o restante dos homens busque o Senhor, e todos os gentios sobre os quais tem sido invocado o meu nome, diz o Senhor que faz estas conhecidas desde os tempos antigos”(Atos 15.16-18 ; Amós 9.11,12). Evidentemente, Tiago falava da Igreja de Jesus Cristo, não mais restrito aos descendentes físicos de Abraão e Davi, mas aos descendentes gentios da fé. A Igreja universal composto dos que foram comprados pelo precioso sangue de Cristo, formarão o povo real de Deus.
Que a Igreja de Jesus incluiria gentios ficou claro quando Jesus disse, “Muitos virão do oriente e do ocidente, e se sentarão à mesa com Abraão, Isaque e Jacó no Reino dos céus. Mas os súditos do Reino serão lançados para fora, nas trevas, onde haverá choro e ranger de dentes” (Mt 8. 10). O pensamento corrente dos judeus da época foi que qualquer judeu circuncidado seria salvo pelo fato que era filho de Abraão e portador do sinal irreversível da Aliança. O Senhor contradisse essa opinião afirmando que os gentios que crerão nele entrarão antes dos próprios filhos de Abraão.
As parábolas de Jesus devem ser entendidas nesta visão da Igreja que tem um começo tão insignificante que pode-se comparar com um grão de mostarda que “embora seja a menor dentre todas as sementes, quando cresce, torna-se a maior das hortaliças e se transforma numa árvore”(Mt 13.32). Jesus previu que sua Igreja se tornaria grande. Jesus tinha em mente a mesma realidade quando falou do “fermento que uma mulher tomou e misturou com uma grande quantidade de farinha e toda a massa ficou fermentada” (Mt 13.32). Novamente, o Senhor previu que o cristianismo espalhado pela divulgação da mensagem acerca de Sua pessoa e obra alcançaria grandes proporções. Chegaria até os confins da terra. A natureza da igreja fica patente em seu desenvolvimento natural.
Não é somente o crescimento da Igreja que Jesus predisse, mas também a reação negativa dos que rejeitam a mensagem salvadora de Jesus. Como a missão de Jesus não podia voltar para trás diante da oposição satânica, chegando ao ponto de levá-lO até a cruz, não se pode esperar que o mundo aceitaria a pregação do Evangelho com braços abertos. “Se o mundo os odeia”, disse Jesus, “tenham em mente que antes me odiou...Se me perseguiram, também perseguirão vocês” (Jo 15.18,20). A missão de Jesus se realizará num mundo de tal modo enganado que acharão que cultuam a Deus matando quem confessar que é seguidor de Jesus (Jo 16.2), tal como crucificaram o próprio Senhor da glória.
A missão de Jesus o levaria até a cruz onde ofereceria Sua vida em resgate de muitos. Foi na cruz que Cristo cumpriu a razão da encarnação. Foi o cerne e auge da Sua missão. O autor de Hebreus colocou esta verdade assim, “Por meio de um único sacrifício, ele aperfeiçoou para sempre os que estão sendo santificados” (10.14). Paulo afirma que “Cristo nos amou e se entregou por nós como oferta e sacrifício de aroma agradável a Deus” (Ef 5.2). “Deus o ofereceu como sacrifício para propiciação mediante a fé, pelo seu sangue, demonstrando sua justiça” ( Rm 3. 25). A vindicação dessa morte sacrificial ocorreu na ressurreição de Jesus na primeira Páscoa, uma vez que “Ele foi entregue à morte por nossos pecados e ressuscitado para nossa justificação” (Rm 4.25). Com Sua ressurreição e exaltação à destra do Pai, a missão de Cristo passou aos discípulos.
Nos encontros com os discípulos após a ressurreição, Jesus declarou que o Pai tinha Lhe dado toda autoridade no céu e na terra (Mt 28.16). Utilizando esta autoridade suprema, Jesus mandou os discípulos fazer discípulos de todas as nações, batizando-os no nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Teriam também a responsabilidade de ensinar esses novos convertidos das nações a guardar todas as coisas que Jesus tinha ordenado ao seus discípulos. Não poderia ter sido mais claro; a missão do Senhor continuaria na tarefa missionária que deveria alcançar todas as etnias do mundo.
II. A Natureza Missionária da Igreja Deve ter ficado claro que a missão da Igreja é intimamente ligada à missão de Jesus. Tanto no seu objetivo como em seu desenvolvimento, este relacionamento continua sendo fundamental.
Duas vezes Jesus declarou “Assim como me enviaste ao mundo, eu os enviei ao mundo” (Jo 17.18. Note as palavras dirigidas aos discípulos, “Assim como o Pai me enviou, eu os envio” 20.21). O paralelo entre a missão de Jesus e a dos apóstolos não foi absoluta. A singularidade de Jesus se mantém sempre. Os discípulos não são enviados para ser sacrifícios vicários, ainda que a hostilidade do mundo que Jesus enfrentou levariam quase todos eles ao martírio. Por isso, Paulo, o último dos apóstolos, escreveu para a igreja de Colossos, “Me alegro em meus sofrimentos por vocês, e completo no meu corpo o que resta das aflições de Cristo, em favor do seu corpo, que é a igreja”(1.24). Seguramente, Paulo falava do preço pago para adentrar em áreas controladas por Satanás que lutava ferozmente para não permitir que os seus súditos sejam capturados e levados para Reino de Jesus Cristo.
A Grande Comissão – Mateus 28.18-20 Como Jesus fez discípulos sob a autoridade absoluta do Pai, foi o Pai que os deu para Jesus. “Eu revelei teu nome àqueles que do mundo me deste. Eles eram teus, tu os deste a mim, e eles têm obedecido a tua palavra” (Jo 17. 6). Jesus manda os Seus seguidores fazer discípulos das nações sob a autoridade dEle. Orando, Jesus disse, “Lhe deste autoridade sobre toda a humanidade, para que conceda vida eterna a todos os que lhe deste”(Jo 17.2). Por meio do batismo, os novos discípulos morreriam simbolicamente para o mundo, para ingressar no povo escatológico de Deus, se identificando com Jesus Cristo em Sua morte e ressurreição. Assim se tornariam cidadãos do céu e forasteiros na terra. Como Jesus não tinha onde repousar a cabeça, os discípulos devem entender que aqui eles não têm lugar permanente. Sofreriam como os hebreus, que, “depois de iluminados...suportaram muita luta e muito sofrimento...expostos a insultos e tribulações. ...Aceitaram alegremente o confisco dos seus próprios bens, pois sabiam que possuíam bens superiores permanentes” (Hb 10.32-34).
A comissão de Jesus acrescentou a responsabilidade básica de repassar aos novos seguidores de Jesus os ensinamentos do Mestre. Obediência à lei de Cristo supera a responsabilidade de guardar a lei de Moisés. A promessa do acompanhamento de Jesus enquanto a igreja espera a Segunda Vinda, se cumpriu na vinda do Espírito Santo com poder. Foi o mesmo Espírito que os guiaria à toda a verdade; que não falaria de Si mesmo mas apenas o que ouvir, e Lhes anunciaria o que está por vir. Glorificaria a Jesus porque receberia dEle o que é dEle e O tornará conhecido a eles (Jo 16. 13,14). Dessa forma a comissão de Jesus se tornaria praticável.
O Dia de Pentecoste foi uma demonstração da natureza missionária da Igreja. Após a vinda do Espírito com poder, representantes de “todas as nações do mundo” (At 2.5) ouviram os “galileus” cristãos falando em suas línguas maternas. Seguramente, o que ouviram foram as maravilhas de Deus, especialmente a sobre a ressurreição e exaltação de Jesus Cristo.
A mensagem de Pedro foi uma poderosa declaração do Evangelho. O conteúdo do kerugma pré-paulino se resumia em três pontos chaves, de acordo com os estudiosos.
1) Uma proclamação da morte, ressurreição e exaltação de Jesus, vistas como o cumprimento da profecia, envolvendo a responsabilidade humana;
2) Em conseqüência disso, a consideração de Jesus como Senhor e também como o Cristo;
3) Uma convocação ao arrependimento e ao recebimento de perdão dos pecados. (J.R.W. Stott, O Perfil do Pregador, S. Paulo: Ed. Vida Nova, 2005, p. 36).
Os corações dos ouvintes foram cortados com a culpa do crime da crucificação de Jesus Cristo e na mesma hora 3000 pessoas receberam a oferta de perdão por intermédio dessa morte expiatória.
Os que aceitaram a mensagem foram batizados. “Eles se dedicavam ao ensino dos apóstolos e à comunhão, ao partir do pão e às orações” (At 2.42) cumprindo a palavra de Jesus que Ele edificaria Sua igreja. A dedicação ao ensino dos apóstolos iniciou o processo do discipulado que Jesus tinha ordenado. A koinonia, a celebração da Ceia do Senhor e as orações criaram um compromisso com o Senhor e com Seus irmãos e a formação do Seu Corpo. Por meio das reuniões dos irmãos com a instrução dos apóstolos, houve integração dos novos convertidos. Daí saíram de Jerusalém os irmãos que fundaram a igreja de Roma. Tão eficaz foi a “missão entre os judeus em Roma” que uma igreja forte foi plantada. Como sementes que se espalham, a Igreja tende a se enraizar onde seguidores de Jesus Cristo se encontram.
A natureza missionária da Igreja se manifestou em Jerusalém com os fiéis anunciando “corajosamente a palavra de Deus” (4.31). O resultado foi o crescimento diário da igreja (At 2.47, 5.14). Não há notícia de campanhas especiais de evangelização. Como aconteceu mais tarde por meio dos que foram dispersos da cidade após o martírio de Estevão, eles “pregavam a palavra por onde quer que fossem” (At 8.4). Assim a igreja se estendeu para Samaria com a pregação de Filipe. A semente se espalhou mais longe por meio do Eunuco de Etiópia que foi batizado por Filipe após o anúncio do Evangelho. Saulo de Tarso sentiu-se obrigado a tentar conter a expansão da igreja na Síria, viajando até Damasco com a intenção expressa de prender os crentes dessa cidade. Seu objetivo foi frustrado pela revelação do Cristo ressurreto que o convenceu que estava vivo. A conversão de Saulo foi marco na história da igreja.
Cornélio, centurião do exército romano, também se converteu em Cesárea com a pregação de Pedro, abrindo as portas da Igreja para o mundo gentílico. Na altura que Cornélio se torna membro da igreja, em Roma, o Evangelho fora semeado e desenvolvia até o ponto de Cláudio ordenar a saída de todos os judeus da capital em 44 d.C. (At 18.2). Suetônio informa que esse decreto do imperador foi provocado por distúrbios constantes impulsionados por Chrestos, sem dúvida uma referência a “Cristo”. Os distúrbios que surgiram nas sinagogas de Roma em torno das reivindicações acerca da singularidade de Jesus ser o Messias apenas 18 anos após a crucificação de Jesus, comprova o caráter missionário da igreja.
O Espírito Santo continuou administrando o avanço do Evangelho até os que foram dispersos por causa da perseguição desencadeada com a morte de Estevão anunciaram o Evangelho aos judeus de Fenícia, Chipre e Antioquia da Síria. Outros, cipriotas e cireneus, pregaram também aos gregos. Muitos creram e se converteram ao Senhor (At 11. 20,21). Pode ser que a notícia da conversão de Cornélio, deu a estes corajosos evangelistas certa segurança ao quebrar a convicção judaica que estender o convite da salvação além das fronteiras do Povo Eleito seria errado.
Lucas interpretou este crescimento da Igreja entre os gentios como sinal da “mão do Senhor estar com eles” (At 11.21). Não foi crescimento natural, um movimento humano de abandono da velha religião que não satisfazia, para um pensamento novo, empolgante. Foi assim que o Budismo se espalhou antes de Cristo e o Islamismo cresceu séculos depois pelo poder da espada. Não, foi o poder de Deus que agia nos “leigos” sem treinamento ou estratégia planejada. Tão eficaz foi a evangelização no norte da Síria que Barnabé veio de Jerusalém para ajudar no pastoreio dos novos crentes em Antioquia, na maioria gentios. Barnabé lembrou-se de Saulo em Tarso para onde foi para buscá-lo. Assim a igreja de Antioquia se tornou um trampolim para uma nova etapa no avanço da missão da Igreja.
A Primeira Equipe Missionária A estratégia do Espírito Santo foi escolher os melhores obreiros da equipe pastoral de Antioquia. A seleção não foi feito pelos próprios candidatos, mas pelo Espírito Santo e endossada pela igreja. A oração e imposição das mãos deve ter sido um meio forte de encorajar os missionários.
O primeiro campo que escolheram foi a ilha de Chipre, terra de Barnabé. Não demoraram para evangelizar as cidades mais importantes da ilha (At 13.6). A bênção evidente sobre o ministério foi alcançar o governador, Sérgio Paulo. Paulo desarmou uma cilada do Diabo ao desmascarar o mágico, Elimas, que tentou afastar o governador da fé. Ficou patente que os poderes políticos e satânicos não tinham condições de impedir o avanço do Evangelho no meio dos gentios.
A estratégia normalmente empregada pelos missionários foi de evangelizar primeiramente as sinagogas dos judeus. Era mais fácil apresentar a mensagem para os que já tinham conhecimento das Escrituras e mantinham a esperança da vinda do Messias. Ainda que a massa dos judeus se mostraram empedernidos, alguns se convertiam, juntamente com os “tementes de Deus”, gentios que freqüentavam a sinagoga, mas não se tornaram prosélitos integralmente.
Organizaram igrejas logo que foram expulsos das sinagogas para manter a estrutura sob a liderança de presbíteros ou “anciãos” (At 14.23; 20.32). Paulo continuou como o apóstolo encarregado de manter as igrejas locais firmes na fé. Visitou as igrejas e mandou cartas pastorais para elas, de maneira que ainda que eram igrejas independentes, Paulo manteve supervisão sobre elas enquanto tinha condições para influenciá-las. Teve certo controle sobre algumas igrejas enviando representantes como Timóteo e Tito que tinham o direito de escolher líderes para as igrejas em alguns casos.
Muito esforço e tempo foram gastos no ensino. Um dos dons mais importantes que Cristo deu para Sua igreja foi o dom de ensino (Ef 4.11). A gramática do grego original, “pastores e mestres”, claramente indica que o pastor se identifica como mestre. Veja também 1 Tm 3.2, “apto para ensinar”. Paulo aproveitou a escola de Tirano em Éfeso para ensinar os fundamentos da fé durante várias horas por dia segundo o codex Bezae. “Jamais”, disse Paulo, “deixei de vos anunciar todo o desígnio de Deus” (At 20.27).
Paulo dependia naturalmente da natureza missionária da igreja quando fundava igrejas nos centros políticos e comercias esperando que essas igrejas evangelizassem toda a região. Isso aconteceu em Éfeso (At 19. 10) e explica como Paulo podia dizer que se esforçava para pregar o Evangelho, “não onde Cristo já fora anunciado, para não edificar sobre fundamento alheio” e dizer, “agora, não tenho já campo de atividade nestas regiões” por que tinha divulgado o Evangelho desde Jerusalém e vizinhança até ao Ilírico (Iugoslávia moderna) (Rm 15. 20-23). A evangelização ocorreu em lugares públicos (At 20.20) além utilizar da estratégia eficaz de testemunho pessoal.
As igrejas dos primeiros dois ou três séculos não tinham liberdade e nem recursos para construir “templos”, portanto se reuniram em casas e nos campos. Foi providencial esta prática, uma vez que o avanço da igreja não foi impedido por falta de fundos financeiros. Além desta realidade, nota-se que as igrejas que se formam em casas particulares são muito mais difíceis de extinguir ou combater. Países que reprimem o avanço do Evangelho, como a China e Vietnam demonstram esta verdade. A grande maioria dos cristãos se reúnem em igrejas caseiras.
Paulo favorecia o pagamento de ordenados aos evangelistas e líderes das igrejas se eles eram itinerantes e se esforçavam no ensino (1Tm 5.17; 1 Co 9.3-18). Ainda que não temos notícia deles levantarem dízimos dos membros da igreja, as cartas mencionam ofertas dadas a Paulo (Filipenses 4) e ofertas designadas para aliviar a pobreza dos irmãos em Jerusalém (2 Co 8,9).
Conclusão O avanço missionário, isto é, o modo em que a igreja de Jesus Cristo se espalha pelo mundo tem sua razão de ser na própria natureza da igreja. Se Jesus prometeu que edificaria Sua igreja, se os verdadeiros cristãos têm um impulso do amor constrangedor de Deus no coração, se o mais valioso tesouro no mundo é a paz com Deus, não há motivos para estranhar o crescimento da Igreja ao redor do mundo.
Por outro lado, havendo regiões onde as igrejas diminuem e fecham suas portas, temos razão para questionar se a natureza da Igreja seja de fato missionária. Em qualquer parte do mundo em que o enfraquecimento da Igreja seja uma realidade, como no Norte da África e no Médio Oriente sob o domínio dos muçulmanos, ou no primeiro mundo hoje, nós nos confrontamos com a anomalia de igrejas tão extintas como os dinossauros.
Jesus predisse não somente a extraordinária expansão da Igreja, mas também o seu declínio. “Quando o Filho do Homem vier, encontrará fé na terra?” (Lc 18.8), mostra esta verdade. Devido ao aumento da maldade “o amor de muitos esfriará” (Mt 24.12) também indica que o futuro da Igreja não será necessariamente tão empolgante como em outros períodos da história, mesmo calculando que na média se convertem em torno de 70.000 pessoas cada dia.
O que podemos afirmar com certeza é que Deus conhece a todos que Lhe pertencem. A plenitude dos gentios será arrebanhada na Igreja, bem como “todo Israel” (Rm 11.25). “O evangelho do Reino será pregado em todo o mundo como testemunho a todas as nações, e então virá o fim”, declarou Jesus. Nenhum dos que foram comprados de todas as tribos, línguas, raças, nações e povos faltarão quando o arcanjo tocar a última trombeta. A figura dos 144.000 no Livro do Apocalipse aponta para esta verdade. Cabe a todos que reconhecem o senhorio de Jesus Cristo apressar a volta dEle (2 Pe 3.12), cumprindo a missão que deu aos discípulos, acompanhada por Ele até o “fim do século”.