O Ganso que amou o mundo das Galinhas
Em certa fazenda, um homem
dedicava-se à criação de galinhas (frangos) de corte. Suas instalações eram
famosas em toda a região, pela limpeza e conforto proporcionado às galinhas,
sendo a fazenda detentora de vários prêmios e certificações.
Além das galinhas, criadas
presas em amplos galinheiros, o fazendeiro mantinha um pequeno bando de gansos.
Criados soltos, o objetivo dos mesmos era a vigilância e a guarda da
propriedade. É conhecida a capacidade de alerta e até mesmo de ataque dos
gansos, usados por isso como verdadeiros cães de guarda.
Mas um daqueles gansos,
afastando-se de seu bando, se perdia por muitas vezes, observando o cercado das
galinhas. A ração dele era oferecida uma única vez ao dia, em pequena
quantidade; a ração das galinhas era farta, e disponível o dia inteiro. Nos
dias de chuva ou de sol inclemente, ele precisava procurar abrigo sob árvores
ou em cantos de muro; as galinhas estavam protegidas, e até a temperatura de
seus criatórios, seguros e à sombra, era controlada, com ventilação nos dias de
calor. Ele marchava sobre lama e solo seco, testando as patas contra pedras
pontiagudas; as galinhas se esfalfavam sobre macia serragem de madeira, que se
sobrepunha a um piso de alvenaria, liso e regular.
E aquele jovem ganso
passou a dedicar seus dias, ao invés de andar pela propriedade com seus irmãos,
a circundar os galinheiros, observando pelas telas de arame, e tentando mesmo
entrar neles a cada vez que a porta era aberta para a entrada ou saída de
funcionários. O prolongar daquele comportamento divertiu o fazendeiro, que
resolveu um dia deixar o ganso entrar num daqueles espaços. Uma vez dentro, o
animal rapidamente avançou para os cochos de ração, e não foi sem prazer que
percebeu que a ração das galináceas, além de milagrosamente farta, era bem mais
gostosa que a sua. As aves de início se espantaram com aquela presença. Mas,
logo, percebendo que o ganso não era hostil ou ao menos viril como os demais
dos gansos, se acostumaram com aquele folgazão.
Os dias se passaram, e a
ave não demonstrava sinal algum de que desejava sair daquele espaço confinado,
porém tão agradável.
Após o transcurso de seis
meses, dezembro se apresentou, e com ele as festas de fim de ano. Muitas das
galinhas foram levadas para o abate, dias antes – era afinal uma criação de corte,
e não de poedeiras de ovos. O ganso observava aquela movimentação com certo
espanto, assim como as demais galinhas que ficaram no galinheiro. De toda forma, ele relaxou: O que quer que
tivesse acontecido com as galinhas levadas, ele estava livre, afinal não era
galinha, eleito que era de uma outra e melhor espécie. Ficara em paz com o que
restara das galinhas, menores e mais magras – ou seja, seu domínio sobre o
cocho de ração seria ainda mais absoluto.
Em véspera de Natal, a
matriarca daquela grande família, sabendo de todos os filhos e netos que viriam
da cidade e até do exterior para a grande confraternização familiar, resolveu
apanhar algumas das aves da criação para o preparo da ceia. Ao adentrar o
espaço, com surpresa notou que a maior e mais gorda ave do recinto era... um
ganso. Tomou aquilo como um sinal da Providência – uma carne diferenciada e que
daria um imenso assado, digno de figurar no centro das melhores das mesas!
Pego pelo capataz, a mando
de sua patroa, o ganso de repente entendeu sua situação. Enquanto esperneava
suspenso, tendo o pescoço e as duas asas manietadas, podia observar de um lado
os nababescos cochos de ração, a melhor ração que já provara em sua breve vida;
de outro lado, o de fora, pode fixar a vista nos campos à distância, e divisar,
na linha do horizonte daquela imensa fazenda, seu bando de irmãos, os outros
gansos, marchando pela relva, atentos e barulhentos, cumprindo sua rude, porém
nobre missão. E ele se lembrou de sua designação, de sua comissão naquele
sistema de coisas, naquele universo dito a fazenda. Invejando a sorte das
galinhas, agora compartilhava de seu destino, do alto preço por toda aquela
ração, sombra e conforto.
* * *
Não inveje os sem-missão. Pior: Não inveje os que perecem. Não inveje o tolo que é mimado e engordado, em segurança e conforto, para o
abate e o fogo. Tua função é guardar, atento e audaz, os campos do Senhor, e
revirar o solo em busca de almas perdidas.
Sammis Reachers
Nenhum comentário:
Postar um comentário