quarta-feira, 12 de fevereiro de 2020

Steve Saint: Sobre nossa Grande Omissão Missionária


Steve Saint e Mincaye

Steve Saint

Cristo nos deu, como Sua igreja, a comissão de distribuir Sua oferta de remédio contra a doença mortal do pecado que infectou o mundo inteiro. A igreja cristã vem trabalhando nisso a vinte séculos. Fizemos melhores com uns do que com outros. No século XX nós cometemos um erro crucial que enfraqueceu o que antes era um esforço sólido. Deixamos quase todos os combatentes fora do conflito; essa grande omissão nos atingiu em cheio.
Qual a solução? O que podemos fazer para incluir estrategicamente a maioria das tropas que deixamos de fora desta grande batalha espiritual? Primeiro, não deve mais haver dúvidas se o cristão comum, aqui ou acolá, que apoia o ministério, leciona na Escola Dominical, cria uma família aos pés de Deus ou utiliza seus dons espirituais para servir, exortar, liderar ou mostrar misericórdia (Romanos 12:6-8) é essencial ou não para a propagação do Evangelho de Cristo. Nós não podemos ter a expectativa de cumprir nossa Grande Comissão a menos que reconheçamos nossa grande omissão. Nem todos os crentes podem ser ou deveriam ser missionários, mas todos os crentes, independentemente de sua capacidade financeira ou educacional ou seu talento natural ou espiritual tem seu lugar em missões.
Paulo disse a mesma coisa de maneira bem sucinta em sua carta aos crentes de Roma. Ele escreveu: "Porque todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo. Como, pois, invocarão aquele em quem não creram? E como crerão naquele de quem não ouviram falar? E como ouvirão, se não houver quem pregue? E como pregarão, se não forem enviados?" (Romanos 10:13-15a). Os "enviadores são tão importantes quanto os "enviados". Não devíamos chamar os pilotos na linha de fronte de heróis sem também chamar de heroínas as pessoas nos bastidores desta guerra, as quais tornam possível o importante papel daqueles!
Segundo, não serão necessários centenas ou milhares de crentes, mas sim milhões de crentes para mudar a maré neste novo século e levar a mensagem do Evangelho para os três bilhões de pessoas que ainda não ouviram falar dEle. Isso parece impossível? Pois não é. Muitos desses cristãos já estão a postos, falam a língua e conhecem a cultura. Então, quem são essas pessoas? Elas são os milhares de crentes nativos ao redor do mundo. Como os Waodani, muitos deles foram convencidos de que não são capazes de ajudar a vencer a batalha espiritual. Em comparação a missionários altamente tecnológicos e estudados, muitos se sentem "primitivos" mesmo. No entanto, em florestas, favelas e interiores rurais deste mundo, o uniforme engomado e as tecnologias sofisticadas não são de grande valia pois facilmente estragam com a alta humidade.
Se somos crentes trabalhando na nossa igreja local ou missionários dedicados a um povo não alcançado, se somos estrangeiros na Europa ou na Amazônia, nossa participação na Grande Comissão tem grandes consequências. A comissão da igreja é bem específica. Temos de ir "pelo mundo todo" e pregar "o evangelho a todas as pessoas. Quem crer e for batizado será salvo, mas quem não crer será condenado" (Marcos 16:15-16). Essa é uma responsabilidade maravilhosa e com sérias consequências, caso falhemos. Ezequiel 33 sugere que somos os guardas-noturnos a quem foi confiado avisar o povo que o inimigo está chegando. Se advertirmos as pessoas, duas coisas podem acontecer: ou elas escutarão nosso aviso e serão salvas, ou elas irão ignorar o aviso e morrer. Independentemente do que elas fizerem, se nós as avisarmos então não seremos mais responsáveis. Mas e se não as advertirmos? A Bíblia simplesmente diz que se "é certo que ele [o ímpio] morrerá, e você não falar para dissuadi-lo de seus caminhos aquele ímpio morrerá por sua iniquidade, mas eu considerarei você' responsável pela morte dele" (Ezequiel 33:8).
É uma tarefa gigantesca advertir todas as pessoas no mundo inteiro que o pecado vai matá-las e então tentar explicar como conseguir o remédio para isso. Metade das pessoas que vivem hoje nunca foram avisadas disso. Elas falam milhares de línguas diferentes, é difícil chegar até onde muitas delas estão e a maioria vive por trás de barreiras políticas e religiosas que ampliam a dificuldade da entrega desse diagnóstico e desse remédio. Mas esta é a nossa comissão. Tenho certeza de que podemos realizar esta tarefa aparentemente impossível. Creio que Jesus nos deu uma fórmula para o sucesso junto com Sua Comissão, e que os discípulos de Jesus nos mostraram como colocar os planos dEle em ação.

A Bíblia com um toque de floresta

Deus tinha me levado para um pequena e solitária clareira na floresta amazônica, onde eu tentava ajudar numa tarefa que parecia sem solução. Havia chegado num ponto de tanto desespero por uma resposta que literalmente comecei a vê-la. Naquela época eu tinha levado minha família para morar com os Waodani a pedido deles. Eu amo muitos deles; somos como uma família. Acredito que Deus nos enviou para ajudá-los assim como Ele havia enviado meu pai e seus quatro amigos. No entanto, muitas pessoas, mais capacitadas que eu, já vinham tentando ajudar os Waodani a mais de trinta e cinco anos. Havia muito pouco resultado de todos esses esforços despendidos em benefício deles. Não conseguia imaginar o que mais eu poderia fazer pelos Waodani, além do que todas essas outras pessoas e organizações não fossem igualmente desejosas e capazes de fazer por eles.
Tudo ia bem para mim enquanto ainda estávamos preocupados em ajudar os Waodani a construir uma pista de pouso e começando algumas roças e construindo nossas casinhas. Estava tudo bem enquanto Ginny, nossos quatro filhos e eu ainda saboreávamos a aventura de aprender como viver no meio da floresta tropical, sem estradas, lojas, eletricidade, encanamento nem telefones. Quando, porém, a novidade e o desafio da sobrevivência perderam o brilho, eu senti urna grande necessidade de entender porque Deus me queria ali no meio do nada. Passei anos estudando Direito e Finanças. Tinha investido uma boa quantidade de tempo e energia aprendendo a criar e administrar negócios que fossem rentáveis. Agora, eu havia levado minha família para o meio do nada para tentar algo quase impossível só porque eu tinha certeza que Deus queria isso. Felizmente minha esposa Ginny e meus quatro filhos concordavam.
Comecei a procurar nas Escrituras respostas que tratassem do propósito de missões. É quase uma vergonha admitir que algo tão óbvio hoje parecesse, àquela época, quase uma revelação para mim. Nas Escrituras que eu lia há anos, encontrei as respostas de que precisava. Eu estava sentado à uma mesinha na nossa cabana rústica, lendo a Bíblia à luz de velas com os morcegos me sobrevoavam quando, de repente, Coríntios 3 fez todo sentido para mim. Paulo dizia aos poucos crentes de Corinto que eles eram, espiritualmente, apenas bebês. Não podiam sequer tolerar comida espiritual sólida; ainda necessitavam de leite. Nada daquilo era novidade para mim. O que era novo foi o fato de Paulo estar escrevendo isso para crentes bebês. Ele havia ido embora e os deixado para funcionar como uma igreja e serem membros produtivos da família de Cristo, mas eles não tinham sequer sido desmamados ainda.
Igualmente, nos versos da clássica Grande Comissão em Mateus 28:18-20, eu encontrei outra peça do quebra-cabeça. Jesus disse que havia recebido toda a autoridade nos céus e na terra para evangelizar o mundo. Naquele momento, Ele fez algo inesperado. Depois de dizer que tinha a autoridade, Ele disse ao Seu punhado de seguidores que eles deveriam fazer discípulos em todas as nações. Eu sabia que onze homens comuns, simples, ignorantes e despreparados (Atos 4:13) não poderiam obedecer àquele comando sem proteção sobrenatural e um bom plano de ação. E então eu "descobri a pólvora"! Muitas pessoas estiveram ali antes de mim mas eu nunca tinha pensado muito sobre o versículo vinte. No verso dezoito, Jesus disse que Ele tinha a autoridade para evangelizar o mundo. No dezenove, Ele diz aos discípulos que fizessem por Ele. E no versículo vinte Ele diz como fazer; aqui está a peça que faltava: o "como". Jesus termina Sua comissão dizendo para "ensinarmos" as pessoas que alcançarmos a "obedecer a tudo" que Ele nos ordenou!
Acredite ou não, depois de ter me tornado cristão ainda menino, depois de crescer no campo missionário, depois de ter sido missionário com anos de experiência na América do Sul, no Caribe e na África, estas novas ideias me ocorreram:
1. O propósito de missões não é evangelizar o mundo. Cristo deu aquela comissão a onze homens simples, porém, dedicados que representavam a igreja A comissão à igreja é de evangelizar o mundo. O propósito de missões é plantar a igreja onde ela ainda não existe para que ela mesma possa evangelizar o seu mundo.
2. Missões são como andaimes usados para erigir um edifício. E apenas temporário, para dar sustentação até que a estrutura possa manter-se por conta própria. Então são retirados e levados para outro lugar onde são necessários.
3. Evangelizar o mundo é como uma corrida de revezamento. Onde não existem igrejas, os missionários dão a primeira volta. Em seguida, devemos passar o bastão aos crentes locais para que eles terminem a corrida. Assim como Paulo, e também como nós, eles não precisam ser superestrelas, somente obedientes; eles não criam as sementes, nem as fazem crescer; eles apenas plantam e regam. Como os Coríntios, se eles puderem segurar suas próprias mamadeiras, o Espírito Santo pode assumir a partir daí.

Algumas casas a mais não acabarão com a falta de moradia

"O custo da madeira serrada para cada casa que queremos construir este verão nas viagens missionárias subiu de 400 dólares para mais de 600 dólares. Nós teremos de conseguir mais dinheiro ou construir menos casas para estes necessitados."
Eu estava prestes a falar para uma grande igreja que era muito focada em missões e um dos presbíteros estava dando os avisos. "Nós temos de vender quarenta dúzias de tamales (*) para cada casa agora. Primeiro, compre um freezer maior e depois faça seu pedido." Ele estava brincando, claro — sobre o freezer, pelo menos. Queria que ele estivesse brincando sobre os tamales e a missão de construir casas também.
Por quê? Porque não importa quantos tamales essa igreja faça ou venda, e não importa quantas casas eles construam para as pessoas pobres do México, eles não vão conseguir realizar a missão deles — a menos que a missão seja construir "algumas casas" no México. Se o propósito deles for erradicar a falta de moradia para os necessitados mexicanos, existe um outro jeito muito melhor de fazer isso. Seus esforços atuais são uma gota no oceano da pobreza e da falta de moradia. Se o objetivo dessa igreja é fazer construção evangelística, creio que eles estão prestes a, inconscientemente, fazer mais mal do que bem à causa. Todas as igrejas na América do Norte juntas não conseguiriam erradicar a falta de moradia no México, muito menos do resto do mundo. Simplesmente não há cristãos ou dinheiro suficientes para ser direcionado a isso. Provavelmente poderíamos reformar as cidades na fronteira e deixar uma ótima impressão. Mas assim que os milhões de pobres que moram mais ao sul soubessem das casas gratuitas na fronteira, aconteceria uma migração de sem-teto rumo ao norte. O que aconteceria, por outro lado, se nós aplicássemos o equivalente a Mateus 28:20 à necessidade de moradia acessível no México? E se treinássemos e equipássemos os mexicanos pobres para construírem suas próprias casas? E se negociássemos material acessível e inventássemos novas técnicas de construção que usassem materiais (como adobe estabilizado com um pouco de cimento) para substituir blocos de concreto e madeira? Poderíamos fazer da tão sonhada casa própria um objetivo alcançável a todas as pessoas nesse belo país que e o México.
Existem muito poucos missionários disponíveis para evangelizar. Existem muito poucos missionários para, até mesmo, plantar a igreja junto a cada um dos milhares de povos que ainda não tem testemunhas de Cristo. Mas se plantarmos a igreja o mais rápido possível onde pudermos e se ensinarmos os novos crentes a treinar outros, assim poderemos alcançar o mundo para Cristo e cumprir nossa comissão.

(*) N. T.: Tamales são iguarias culinárias da América Central que lembram as pamonhas brasileiras, com recheios mais variados.

Capítulo do livro A Grande Omissão (Horizontes América Latina).

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