quarta-feira, 5 de maio de 2010

SIMPLESMENTE MÁRCIA...

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 Joed Venturini

A noite já se tornara madrugada quando a sede me acordou. Estava de férias da faculdade de medicina que fazia em Lisboa e aproveitava uns dias em casa de meus pais, em Barcelos, norte de Portugal. Fui à cozinha buscar água e no caminho passei pela porta da sala. Vi então uma cena que todo filho deveria poder ver pelo menos uma vez na vida. Mamãe estava ajoelhada em frente a um sofá, com a cabeça pousada suavemente sobre a almofada e orava. Para evitar o sono ela orava em voz baixa porém audível. No momento em que passei na frente da entrada da sala ouvi meu nome sair de seus lábios. Era madrugada ainda, mas mamãe já orava. Orava por muita gente, por muitas coisas. Orava por mim!

Marcia Venturini de Souza, é o nome de mamãe. Ela não tem cursos, nem títulos ou posições. Nunca foi doutora, mestra, pastora ou outra coisa assim. Simplesmente Márcia. Mas, que Márcia! Onde esteve deixou saudades profundas e marcas indeléveis. Mamãe tinha o dom de conquistar. Um sorriso meio tímido, uma boa voz de contralto, e uma simpatia natural, pura, genuína, sem enganos ou tentativas de agradar. Mas era quando contava hstórias que ela se transformava!  Bastavam duas crianças e a paixão dela subia como um vulcão.  Mamãe era capaz de contar histórias como ninguém!  Ela fazia 3, 4 até 5 vozes diferentes, voz de criança, de idoso, de homens bravos ou medrosos apenas mudando o tom, o jeito e até acrescentando um certo tremor na voz. Dava vida aos cenários, encontrava os pormenores mais incríveis e tornava tudo mágico e especial. Quem alguma vez ouviu mamãe contar uma história nunca mais esqueceu.

Após 15 anos morando fora de Portugal voltei ao país. Onde vou as pessoas me falam da Márcia. A maioria com lágrimas nos olhos. Mamãe tinha caracteristicas que fazem falta em nosso mundo e em todas as mães.  Em primeiro lugar ela era uma mulher de Deus. A vida espiritual para mamãe não era algo para apenas alguns dias, era diário, constante, permanente. Ela não filosofava, não se preocupava com discussão doutrinária. Apenas vivia com Deus e para Deus a cada momento. Respirava essa relação e transmitia realidade ao contato espiritual, o que nos marcava profundamente.

Mamãe era uma missionária que amava missões de todo coração!  Ela não se limitava a estar no campo missionário e trabalhar. Ela amava as histórias misionárias, os heróis de missões, tudo que fosse relacionado com o alcance daqueles que ainda não conheciam seu Mestre amado. Ela nos fazia entender que não havia nada mais valioso neste mundo que levar alguém a Jesus e que tudo o mais era passageiro e fugaz.

Mamãe era incansável! Fazia 2 e 3 coisas ao mesmo tempo e fazia parecer que era fácil. No meio de tantas atividades  preparava um almoço gostoso e ainda era capaz de fazer uma sobremesa saborosa que ela mesma nem podia comer, por causa de sua diabetes. Ela nunca reclamava, apesar dos seus vários problemas de saúde. Quando mamãe precisava parar e se deitava era melhor correr para o hospital porque era grave. Mas, para ela os outros estavam sempre em primeiro lugar.

Mamãe não escondia que a vida do obreiro era dificil e dolorosa. Seu grande amor foi traído muitas vezes por pessoas a quem se dedicara com sacrificio. Se minha irmã e eu seguimos para os campos missionários não foi por ilusão de facilidades ou de glória.  Aprendemos com nossa mãe que a obra requer desprendimento material, entrega total e que muitas vezes ainda traz dor, lágrimas e sofrimento.
Mas também aprendemos com seu salmo favorito, o 126:
 "Aquele que leva a preciosa semente andando e chorando voltará sem dúvida
 com alegria trazendo consigo os seus molhos".
Apesar das muitas desilusões mamãe também deixou muitos apaixonados, de todas as idades e de várias raças diferentes.

Foi um grande privilégio ser filho de Márcia. Que falta que ela faz! Quando acompanhava seus últimos dias no hospital em Campinas, a médica que a atendia veio falar comigo.  Era uma professora universitária, acostumada a ver de tudo e experiente. Conhecia bem a medicina e estava familiarizada com a morte. Porém,quando me falou de mamãe, chorou. Ela me disse entre lágrimas: "Conheci sua mãe e depois de 20 minutos e já estava apaixonada por ela... não vamos deixar que ela sofra mais".  Mamãe era assim, ela sempre conquistava por sua beleza e simplicidade. E ela já não sofre mais. Desde 28 de fevereiro de 2007 que está na paz de seu querido mestre.

Depois que mamãe se foi já sonhei muitas vezes com ela. Numa dessas vezes tive um vislumbre de como pode estar. Eu a vi no céu, rodeada de crianças, contando uma história bíblica. As crianças a acompanhavam hipnotizadas, como sempre vi acontecer. A única diferença é que ela não estava usando figuras, apenas apontava para o personagem biblico alí perto e contava sua história. Ela estava feliz, muito feliz. Estava radiante! Estava onde nunca mais sofreria dor ou desilusão. Estava junto de seu amado Salvador onde será para sempre, simplesmente Márcia.

LER BIOGRAFIA

Fonte: http://joedventurini.blogspot.com/

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Mais sobre o Dia das Mães

Em homenagem ao Dia das Mães, publiquei diversos textos relacionados à data, em alguns dos blogs que edito, ou onde colaboro. Dê uma olhada:

No Cidadania Evangélica: Conheças as Mães Sociais

No Poesia Evangélica: Dois poemas de Norma Penido sobre as Mães
No Azul Caudal: A mãe que teve mais filhos até hoje...
No Bradante: A figura materna pelo pincel de grandes pintores
No Imagens Cristãs: Imagens sobre Mães, de uso livre não-comercial para seu blog ou site

3 comentários:

Anônimo disse...

Paz do Senhor, li e recomento o livro: ANTES DO IDE, do autor deste texto, muito bom mesmo e conta experiências muito proveitosas. Só gostaria que ele pregasse na minha Igreja e até agora nada....

Pr. Joed, se estiver no RJ teria como ?


Paz do Senhor.

Joed Venturini disse...

Agradeço as palavras de incentivo e apoio. Desejo que o livro Antes do ide seja bênção para muitos. Estou a trabalhar como médico e pastor em Portugal e no momento não tenho previsão de ir ao Brasil. Porém, se surgir oportunidade terei muita alegria em pregar nas igrejas do Rio de Janeiro.
Fique na Paz, irmão.

Anônimo disse...

Tivemos alegria de conhecer sua mãe ainda na pib de Nova Iguaçu e ouvir histórias em sua doce voz.
Saiba que os molhos não podem ser contados. Deus te abençoe.

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