terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

A igreja urbana Nordestina e o princípio e igualdade jurídica

A célebre frase de “que todos são iguais perante a Lei” continua sendo um sonho para os homens, mas deve ser uma bandeira da Igreja.

O Nordeste é rico em tradições religiosas. Antes de ser um forte, o nordestino é um religioso por natureza. Embora os evangélicos tenham crescido na região, não conseguiram deter a escalada do catolicismo nordestino. A Igreja Católica Romana nestes dez últimos anos tem crescido no Nordeste porque contextualiza seus ritos sacros aos regionais, enquanto os evangélicos se mantêm na tradição dogmática importada da Europa ou da América do Norte ou até mesmo judaica em sua forma cultual.
Nossa região foi evangelizada pelas missões católicas que impuseram o Cristianismo através da ação catequista do Brasil Colônia, não se importando com as questões culturais dos nativos. No entanto, hoje a sistemática da evangelização católica mudou com o objetivo de conquistar pelo convencimento de que a Igreja Católica é pioneira no Cristianismo.
O grande desafio da Igreja Evangélica para o terceiro milênio é migrar de suas características rurais para características urbanas e contextualizar seu discurso sem mudar a mensagem. Em sua maioria, as capitais nordestinas estão inchadas dos migrantes da zona rural que foram expulsos das terras de seus pais para fugir da morte por inanição; pessoas que acreditando nas forças divinas esperaram pelo “último pau-de-arara” para cortarem o cordão umbilical que os prendia ao torrão amado que a cada dia é violentado pela seca. Estes homens, mulheres e crianças órfãs da natureza tendem a sair da sua terra em direção às cidades, criando uma condição
sub-humana de sobrevivência e fazendo crescer os problemas urbanos, pois as cidades não se prepararam para receber tantas pessoas a cada ano.

o princípio da igualdade

Ser igreja-urbana na atualidade não é fácil, pois requer a releitura do contexto a fim de nortear a aplicação dos princípios bíblicos, compartilhando as transformações sociais da cidade a partir do amor de Deus. Em nossos dias a Igreja não pode viver no romantismo dos seus anos iniciais em Jerusalém, pois agora é formada por pessoas que vivem no tempo de agora e não no passado. A igreja-urbana precisa perceber que as cidades se desenvolveram e criaram novas necessidades para as quais a Igreja não pode ficar indiferente. O mundo urbano é regido por códigos e leis que procuram desenvolver formas de relacionamentos íntegros a partir de princípios estabelecidos de forma normativa; deve enquadrar-se e desenvolver princípios que remetam suas ações para o desenvolvimento do reino de Deus entre os homens.
O primeiro princípio que a igreja-urbana deve desenvolver é o princípio da igualdade, o primeiro passo para conseguir enxergar com os olhos de Deus.
A Igreja como corpo de Cristo é igual no Nordeste, no Norte, no Sul, no Sudeste, no Centro-Oeste e até nos confins da terra. Somos um só povo como afirmou o apóstolo Pedro quando escreveu para a Igreja: “vós que outrora não éreis povo, mas agora sois povo de Deus, que não tínheis alcançado misericórdia, mas agora alcançastes misericórdia” (I Pedro 10). A Igreja Nordestina alcançou misericórdia para ser misericordiosa e não para mendigar, pois a Palavra do Senhor não falha: “fui moço, e agora sou velho; mas nunca vi desamparado o justo, nem a sua descendência a mendigar o pão”, disse Davi (Salmo 37.25). Agora, mais do que nunca, se espera que a Igreja reconheça os princípios de igualdade ou isonomia social.
Buscando igualdade regional, a Igreja vai ter melhores condições para desenvolver e colocar em prática o princípio de igualdade que deixou de nortear as ações humanas desde o pecado no Jardim no Éden. O problema da desigualdade social não é só do governo, é da Igreja também, pois os membros da igreja-instituição fazem parte da sociedade, por isso a desigualdade social, que é uma realidade, deve ser tratada pela igreja-urbana do ponto de vista jurídico.
Na língua grega há três termos para definir o status de liberdade de uma pessoa: isonomia1, isegoria2 e isotimia3. Ciente do que significa igualdade, o pastor-urbano4 saberá direcionar suas mensagens, seus discursos e suas ações. As grandes cidades possuem uma enorme rede de complexidade para a qual o pastor rural5 não foi preparado. Na roça as desigualdades são maiores, mas elas não são trabalhadas publicamente por conta dos poderes paralelos que existem nas comunidades rurais, quer seja ele religioso, que atribui tudo à vontade de Deus, ou político, onde o detentor do poder econômico se torna um demiurgo.

igreja urbana e poder político

Embora no passado, motivada por razões de interpretações, a Igreja Protestante tenha ficado fora do poder político no Brasil, não podemos nos dias de hoje ficar alheios ao que se passa ao nosso redor. A igreja-urbana não pode se furtar de trabalhar as questões de igualdade e cidadania, porque desde o seu processo embrionário a questão da justiça como área temática foi abordada e trabalhada tanto por Jesus Cristo como também pelos apóstolos; pois a temática que reflete o desejo divino do Criador para com a humanidade é que, em igualdade, os homens construam as cidades.
A população das cidades perdeu os referenciais divinos de igualdade e a Igreja, como instrumento de modelação, deve promover a igualdade jurídica sendo fraterna para com os grupos frágeis através de projetos sociais, mas também sendo a voz que combate as discriminações raciais, étnicas e de gênero. Tudo isso, obedecendo ao que o apóstolo Paulo recomendou em sua segunda Carta aos Coríntios: “mas para que haja igualdade, suprindo, neste tempo presente, na vossa abundância a falta dos outros, para que também a abundância deles venha a suprir a vossa falta, e assim haja igualdade”
(8.14).
A Igreja Protestante e/ou Evangélica nordestina não assume o papel transformador no mundo e segue seu caminho, fechando os olhos para as lutas por igualdade. Raros são os movimentos sob a liderança de protestantes e/ou evangélicos que se envolvem com a problemática, pois está voltada para a esfera espiritual, e se protege a partir de uma interpretação errônea das palavras de Jesus quando disse: “o meu reino não é deste mundo” (João 18.36).

êxodo ‘in-nordeste’

Ao trabalhar com o princípio de igualdade, a igreja-urbana não pode esquecer-se de que a cidadania é uma questão complexa de trabalhar por conta do considerável número de migrantes do campo que chegam às cidades, principalmente as nordestinas. Fala-se muito do êxodo nordestino para o Sudeste, mas o êxodo ‘in nordeste’ é enorme e acontece motivado pela busca de uma condição de vida mais digna, inchando as cidades e alimentando o crescimento de moradias em situação de risco. Isto porque nem sempre o migrante rural encontra nas capitais o ‘eldorado’ sonhado, e termina perdendo a semente de cidadania, transformando-se em homem-urubu nos lixões das cidades. No geral, esses migrantes se tornam “não-cidadãos”, devido a mudanças de seus limites fronteiriços e à perda de identidade, gerando um grande problema de cidadania. Por não serem reconhecidos como cidadãos, eles se tornam um grupo vulnerável com relação a seus direitos. Quanto à adaptação no processo migratório, é sempre traumatizante, porque coloca as pessoas diante de novas realidades que poderão ser fáceis ou não.
Todos os dias as cidades recebem um número adicional de pessoas que têm a cidadania fragilizada e comprometida por estarem longe de suas fronteiras ou legislações. A igreja-urbana precisa urgentemente se preparar para ser fraterna com esses irmãos, como ensina a Palavra de Deus. Os migrantes merecem atenção da Igreja porque cidadania é um conceito de inclusão jurídica e social. Assim como a sociedade, a igreja-urbana precisa encontrar respostas para atender os imigrantes e incluí-los nos meios de participação da comunidade eclesial, pois a igreja-urbana deve ser uma comunidade fraterna e participante da vida de sua cidade.
Na condição de pastor da comunidade Presbiteriana de Jardim Uchoa, no Recife, tive a experiência de participar de uma igreja-urbana que desenvolvia um trabalho de Missão Integral. A comunidade não possuía templo, mas tinha um projeto social que impactava o bairro, de baixa-renda. No espaço da Igreja funcionava um projeto que atendia aproximadamente mil crianças. O projeto oferecia aulas de reforço, oficina de corte e costura, e tinha uma fábrica de vassouras. Convênios com a Visão Mundial e órgãos governamentais possibilitaram o atendimento às crianças, inclusive com fornecimento de merenda. Além do projeto, funcionavam no terreno da Igreja instrumentos comunitários que lutam por igualdade jurídica, como associação de moradores, o Clube de Mães e os Alcoólicos Anônimos. A Igreja é tão presente no bairro que durante a construção do atual templo, quando o relógio de parede foi roubado, foi devolvido no dia seguinte, porque “era o relógio da igrejinha”, como é conhecida pela comunidade.
Se a Igreja-urbana não tem recursos para desenvolver determinado projeto,
“A igreja-urbana não pode se furtar de trabalhar as questões de igualdade e cidadania”
deve buscar parcerias a fim de se fazer presente na cidade e ajudar na conscientização popular de seus direitos e deveres como cidadão. A comunidade de Jardim Uchoa possui hoje o Centro Cristão de Educação Popular, uma creche e um posto de saúde, graças ao trabalho da Igreja no local, pois todos saíram de dentro da Igreja.
Muitos são os desafios da Igreja Nordestina, por isso se faz necessário repensar nossa missão como povo de Deus. A evangelização não deve perder de vista o princípio de igualdade, dado por Deus ao criar os seres humanos. Somos “antes de tudo um forte”, como disse Euclides da Cunha, por isso devemos, como Igreja, lutar contra o rótulo de que somos coitadinhos e mendigos dos favores de além fronteiras. A implantação de igreja-urbana no Nordeste requer disposição, confiança no nosso povo e proteção de Deus, pois fé nós temos até demais.

Reverendo Pinho Borges
é pastor da Igreja Presbiteriana da Boa Vista em Recife-PE, teólogo, doutorando em Missões Urbanas e especialista em História da Arte e da Religião.

Referências:

1- É a igualdade perante a lei, sem distinção de classe, gênero ou poder econômico. O princípio da isonomia é estabelecido pela nossa Constituição Federal, que declara que “todos são iguais perante a lei”.
2- É formada por “de isos/igual” e de “agos/orador”, significa a liberdade de expressão, de emitir opiniões pessoais nas assembléias.
3- Vem da raiz de “de isos/igualdade” e de “timo/riqueza”, significa o direito de acesso às funções públicas, abolindo-se os títulos e privilégios hereditários, fundados, quase sempre, na riqueza.
4- Aquele que buscou se capacitar para ministrar nos grandes centros urbanos e que está com a sua Igreja 24 horas à disposição da comunidade.
5- Aquele que administra a Igreja como se ela estivesse na roça; onde só há atividade nos domingos.

www.agenciasoma.org.br.

Um comentário:

Unknown disse...

Eu Gostaria de Saber se vcs tem missionários na américa do sul!Gostaria de Saber os nomes deles.Prq minha igreja está fazendo intercessaõ de missionário,
e eu tenho q pesquisar sobre os missionários q estão na américa do sul! sou Vivian Braga,do Rio de JAneiro...

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